sábado, 5 de agosto de 2017

"Comer é um ato político"





Entrevista com Maria Luiza Branco
para o canal de comunicação do Ministério da Saúde







“COMER É UM ATO POLÍTICO”

Publicado por: ASCOM - 17/07/2015 às 13:50

Maria Luiza Branco, fundadora do Terrapia

Quem chega à unidade de extensão do Terrapia, localizada na zona rural de Teresópolis (no Rio de Janeiro), percebe logo que as atividades de imersão do programa não poderiam ter lugar melhor para funcionar. A unidade é cercada por um verde abundante de uma floresta bem preservada, um riacho com águas cristalinas, animais silvestres e, claro, muitas variedades de alimentos frescos e “in natura”: verduras, legumes, frutas… ah, e tudo orgânico e sem agrotóxicos.

Toda a área pertence à médica e psiquiatra Maria Luiza Branco, fundadora do Terrapia. Uma das principias autoridades no país acerca do movimento conhecido como “Alimento Vivo”, Maria Luiza recebeu a equipe da Ascom-MS-RJ, ocasião em que concedeu uma longa entrevista, revelando detalhes sobre a construção e a consolidação do Terrapia, que começou há 18 anos como uma pequena ação da Promoção em Saúde, virou um projeto, e agora se consolida como um programa.

Com um sorriso sereno de quem alcançou o bem-estar físico e emocional, Maria Luiza fala sobre os principais assuntos polêmicos envolvendo a alimentação na atualidade, a exemplo dos transgênicos e o problema da má nutrição, introduzida pela indústria alimentícia e seus produtos ultraprocessados.

Nesta entrevista, Maria Luiza destaca, entre outras questões, o fato de que a busca por uma alimentação saudável mudou sua vida a tal ponto que mudou o seu estilo de vida radicalmente, inclusive, abandonando a profissão formal de médica. “Isso eu não sabia: não sabia que alimento muda pensamento. Isso para mim foi a melhor descoberta no alimento vivo”… Acompanhe abaixo a entrevista.

Ascom/MS/RJ: Como chegou na alimentação viva?

Maria Luiza: Vem de todo um processo de adoecimento. Tive uma superprodução de insulina que provocou uma hipoglicemia grave. Não conseguia levantar da cama. E os médicos disseram: “é dieta, não tem outra coisa a fazer, não tem tratamento para isso”. E daí, nessa busca das dietas, a minha irmã, a Ana (Ana Branco, arquiteta e professora da PUC/RJ, coordenadora do laboratório de pesquisa de alimento vivo na instituição) que um ano antes de mim teve um problema, um quadro grave, me apresentou a alimentação viva. Ela mudou a alimentação e já tinha feito essa experiência. E falou assim: “eu já sei como a gente se cura” e me levou para casa dela e comecei a praticar o alimento vivo. Em uma semana já tinha sinais de melhora. Assim começou o processo todo, eu descobrindo no meu corpo a recuperação de um estado que era incurável. Três meses depois, já estava andando, já tinha voltado para casa, já estava reassumindo minhas atividades. A partir daí, entrei no alimento vivo e fiquei. Eu não fiz a transição. Eu entrei de um dia para o outro e mudei 100% a minha vida. Agora já são 19 anos.

Ascom/MS/RJ: Então, o Terrapia nasceu como consequência desse encontro com o alimento vivo?

Maria Luiza: O Terrapia tem 18 anos. Quando retornei ao trabalho, nove meses depois do processo de adoecimento, avisei para minha chefia: “vocês têm todo direito de me mandar embora, mas eu não sou mais uma médica.” E o meu chefe disse: “mas você gostaria de fazer o que?” Eu disse que gostaria de fazer uma horta num centro de saúde para conversar sobre alimentação com as pessoas. Ele disse que não estava entendendo bem a proposta, mas disse que o pessoal da promoção da saúde tinha um projeto nessa área. Estudei bastante as bases das promoções da saúde. Descobri uma metodologia da pesquisa baseada na comunidade e comecei a fazer os primeiros encontros, que foram em volta da mesa, dentro do centro de saúde, bem pequenininho. Aí começou a encher de gente e pensei: isso não pode ficar aqui, então vamos começar a procurar um lugar para fazer uma horta junto com a mesa. Reuni o pessoal da jardinagem, da cooperativa de trabalhadores de Manguinhos, que tinha um galpão onde é hoje o Terrapia, uma horta para complementação da marmita deles. Eles traziam a marmita, mas pegavam uma salada da horta. Aí eu disse que também gostaria de usufruir da horta. E eles toparam e assim tudo começou. Na sequência, fizemos um curso em forma de horta para adolescentes, até que foi chegando gente, chegando gente, se estruturando… O que eu não deixava faltar era a vontade de partilhar a comida viva. Hoje já tem muita gente que está ‘100% vivo’. Tem a escola, chama-se Escola Viva Terrapia.

Ascom/MS/RJ: Como a Fiocruz te acolhe?

Maria Luiza: Me acolhe completamente. Nunca tive dificuldade, porque a Fiocruz é uma instituição inteligente. Ela tem compromisso com a pesquisa. O Terrapia é muito bem visto na Fiocruz, por conta da adesão popular. Alguns colegas médicos já foram fazer o curso e adoraram. Nutricionistas, então, são muitos.

Ascom/MS/RJ: O que esta semente germinada faz?

Maria Luiza: Alimento vivo, o foco é na semente. Na minha experiência, o que eu percebi foi a força da semente, de como é que ela é capaz de promover mudanças estruturais na sua vida. Só a presença dela, não precisa fazer muito mais do que colocar ela na sua boca e também começar a tocá-la. A semente, em processo de germinação, é a transformação viva acontecendo no máximo de potencialidade, um bebê rompendo. A energia e a frequência dessa transformação proporciona um clarão de consciência. De verdade, muda a mente, você começa a enxergar coisas que antes não esperava. A percepção, a senso-percepção modifica completamente. Isso eu não sabia, que alimento muda pensamento. Isso para mim foi a maior descoberta do alimento vivo. E aí foi que perdi completamente o interesse por doenças e me deu essa vontade de conversar com todo mundo sobre a alimentação viva.

Ascom/MS/RJ: Muita gente questiona a validade científica, como vê a questão do ponto de vista científico?

Maria Luiza: Eu não me dedico aos estudos científicos comprobatórios. Mas sei que tem muita gente fazendo. A Universidade de Berkeley tem uma linha de pesquisa boa sobre isso. Harvard tem uma linha de pesquisa em cima do corpo como ecossistema e como alimentar o ecossistema. O Terrapia foi um experimento, com uma metodologia, ele foi desenvolvido para como mobilizar a população, como trabalhar o grupo, como fazer a população aderir. O índice de comprovação é de aderência. Este é um indicador de sucesso, a sua continuidade. Porque tem todo um processo metodológico de trabalho na área de mobilização da população. Isso é educação em saúde, não é laboratório. Não me dedico à comprovação, porque decidi me dedicar à metodologia educativa, isto é, como mobilizar a população a mudar hábitos de vida. Isso chama metodologia qualitativa de pesquisa, dentro da área social, que também é ciência. Esta é uma linha de pesquisa. Quando fui estudar a força da semente, eu caio no conceito da energia vital. Esse conceito atravessa toda história da medicina, de Hipócrates até hoje. É o chamado movimento vitalista, que aceita a possibilidade de ter coisas que aconteçam sem que você possa medir. Eu também não me dediquei a querer convencer ninguém disso. Eu experimentei em mim e o que eu proponho é que você experimente em você, porque aí vai ver a energia.

Ascom/MS/RJ: Levando-se em conta os princípios do SUS, como universalidade, integralidade e equidade, como tornar participativo esse processo do alimento vivo para pessoas com menos instrução ou sem qualquer estudo?

Maria Luiza: Eu faço um convite. Aqui, no Terrapia, a gente vai trabalhar o alimento vivo na prática. Terrapia é 80% prática e 20% teoria. Então, aqui, vocês vão fazer a comida e vão experimentar. O que eu posso contar para vocês é o que este alimento fez comigo. Eu vou contar que para mim foi maravilhoso. Agora, você experimenta. Eu não estou aqui com um produto maravilhoso para vender para você. Eu estou aqui só querendo compartilhar uma experiência. O foco não é a doença, é a saúde. Por isso que está 100% dentro do projeto de promoção à saúde.

Ascom/MS/RJ: É possível uma dieta com base em alimento vivo mesmo com produtos não-orgânicos?

Maria Luiza: Não tem problema. Até o contrário. O tomate, por exemplo, que é um dos grandes vilões do agrotóxico, quando ferve ou cozinha, potencializa as toxinas. Então, o alimento cru, pode lavar, esfregar e pegar a vitalidade dele. Com a vitalidade dele, seu organismo dá tempo de botar para fora o que é ruim e de absorver o que precisa. Porque está carregado da energia vital. A energia vital faz o processo acontecer. O propulsor de sua própria energia, do alimento, que potencializa a sua. O que eu falo: a gente não pode no Brasil se comprometer a juntar alimento vivo com orgânico. Não pode! Porque o país não tem orgânico… Então, a gente vai ficar esperando aparecer o orgânico para poder comer vivo? Não! Vamos comer com agrotóxico sim, mas vivo… o que gera uma outra coisa. Todo o meu processo inicial não foi com orgânico, não tinha acesso. Não tem saída esta questão. Nós estamos imersos. Somos o campeão mundial de agrotóxicos, vai fazer o quê? Eu li o guia do Ministério da Saúde e fiquei feliz de ver que tem boas práticas de alimentação. Porque tem um monte de brechas para discussão do alimento vivo ali dentro e é tudo o que a gente espera, que tenha uma segurança de uma política séria de alimentação.

Ascom/MS/RJ: Tem toda uma visão muito elitista de determinadas formas de se alimentar, o Terrapia quebra esta questão?

Maria Luiza: Normalmente, alimento vivo, no mundo, é para rico e é para gente chique, elitizada, gastronomia gourmet. A única escola de alimentos vivos gratuitos é a Terrapia. A gente faz moqueca de caju, moqueca de banana da terra, que é um espetáculo, almôndega de banana da terra. É a pesquisa da culinária viva da alimentação brasileira, onde todas as mulheres de qualquer classe social são inventivas e podem criar.

Ascom/MS/RJ: Suas palavras finais…

Maria Luiza: Não posso abrir mão da discussão dos transgênicos e da agroecologia. O que está acontecendo com os plantadores, o que está acontecendo com o movimento das sementes no planeta? Quem é que está dominando as sementes e por quê? O que está acontecendo com os organismos geneticamente modificados? Todos os nossos alimentos já estão modificados, mas não necessariamente por transgenia. Transgênico é quando junta o gene de um reino com gene de um outro reino. Por exemplo, pega um gene do peixe e um gene do tomate e faz um ser que você não sabe o que é. Isso é a transgenia. O organismo geneticamente modificado (OGM) acontece na natureza todos os dias quando as plantas interferem uma na outra e fazem mudança genética. Vem um inseto come um pedaço da folha e ali já produziu um fenômeno genético na planta. Isso é um movimento natural. Mas isso, se for artificialmente, já é uma outra coisa. A cenoura originalmente era mais fina que um dedo, branca e comprida. Aí vai para o laboratório, muda o padrão genético, engorda ela, e muda a cor, porque as pessoas não acham graça comer cenoura branca. Vendem as sementes para todo mundo fazer cenoura igual no planeta inteiro. E assim acontece com todos os alimentos. Todos, sem exceção e nós somos isso. Quem é que faz a contraposição deste movimento? São os plantadores comprometidos com as sementes originais. Já existe uma rede internacional. A natureza faz isso, é da resistência. E cada um garante, através de uma troca, a persistência. Eu, aqui, sou plantadora deste tipo de alimento original, de um chuchu original. E cada um assume uma semente original, sendo os guardiões das sementes no planeta, porque se não acaba e vamos sempre comer milho transgênico. Não como milho transgênico, como milho original de sabugo preto que é muito gostoso. É uma questão de atitude. Por isso, eu costumo dizer que comer é um ato político. Então, em todo o processo alimentar, você pode se manifestar politicamente com a sua decisão. A metodologia do Terrapia incentiva que todos sejam seus próprios médicos e assumam o cuidado com sua saúde.

·         Por Cláudia Ferrari e
·         Aluízio de Azevedo

·         Fotos: Cláudia Ferrari




















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