Entrevista com Maria Luiza Branco
para o canal de comunicação do Ministério da Saúde
“COMER
É UM ATO POLÍTICO”
Publicado
por: ASCOM - 17/07/2015 às 13:50
Maria
Luiza Branco, fundadora do Terrapia
Quem
chega à unidade de extensão do Terrapia, localizada na zona rural de
Teresópolis (no Rio de Janeiro), percebe logo que as atividades de imersão do
programa não poderiam
ter lugar melhor para funcionar. A unidade é cercada por um verde abundante de
uma floresta bem preservada, um riacho com águas cristalinas, animais
silvestres e, claro, muitas variedades de alimentos frescos e “in natura”:
verduras, legumes, frutas… ah, e tudo orgânico e sem agrotóxicos.
Toda
a área pertence à médica e psiquiatra Maria Luiza Branco, fundadora do
Terrapia. Uma das principias autoridades no país acerca do movimento conhecido
como “Alimento Vivo”, Maria Luiza recebeu a equipe da Ascom-MS-RJ, ocasião em
que concedeu uma longa entrevista, revelando detalhes sobre a construção e a
consolidação do Terrapia, que começou há 18 anos como uma pequena ação da
Promoção em Saúde, virou um projeto, e agora se consolida como um programa.
Com
um sorriso sereno de quem alcançou o bem-estar físico e emocional, Maria Luiza
fala sobre os principais assuntos polêmicos envolvendo a alimentação na
atualidade, a exemplo dos transgênicos e o problema da má nutrição, introduzida
pela indústria alimentícia e seus produtos ultraprocessados.
Nesta
entrevista, Maria Luiza destaca,
entre outras questões, o fato de que a busca por uma alimentação saudável mudou sua vida a tal ponto que mudou o seu estilo de
vida radicalmente, inclusive, abandonando a profissão formal de médica. “Isso
eu não sabia: não sabia que alimento muda pensamento. Isso para mim foi a
melhor descoberta no alimento vivo”… Acompanhe abaixo a entrevista.
Ascom/MS/RJ: Como chegou na
alimentação viva?
Maria Luiza: Vem de todo um
processo de adoecimento. Tive uma superprodução de insulina que provocou uma
hipoglicemia grave. Não conseguia levantar da cama. E os médicos disseram: “é
dieta, não tem outra coisa a fazer, não tem tratamento para isso”. E daí, nessa
busca das dietas, a minha irmã, a Ana (Ana Branco, arquiteta e professora da
PUC/RJ, coordenadora do laboratório de pesquisa de alimento vivo na
instituição) que um ano antes de mim teve um problema, um quadro grave, me
apresentou a alimentação viva. Ela mudou a alimentação e já tinha feito essa
experiência. E falou assim: “eu já sei como a gente se cura” e me levou para
casa dela e comecei a praticar o alimento vivo. Em uma semana já tinha
sinais de melhora. Assim começou o processo todo, eu descobrindo no meu corpo a
recuperação de um estado que era incurável. Três meses depois, já estava
andando, já tinha voltado para casa, já estava reassumindo minhas atividades. A
partir daí, entrei no alimento vivo e fiquei. Eu não fiz a transição. Eu entrei
de um dia para o outro e mudei 100% a minha vida. Agora já são 19 anos.
Ascom/MS/RJ: Então, o Terrapia
nasceu como consequência desse encontro com o alimento vivo?
Maria Luiza: O Terrapia tem
18 anos. Quando retornei ao trabalho, nove meses depois do processo de
adoecimento, avisei para minha chefia: “vocês têm todo direito de me mandar
embora, mas eu não sou mais uma médica.” E o meu chefe disse: “mas você
gostaria de fazer o que?” Eu disse que gostaria de fazer uma horta num centro
de saúde para conversar sobre alimentação com as pessoas. Ele disse que não
estava entendendo bem a proposta, mas disse que o pessoal da promoção da saúde
tinha um projeto nessa área. Estudei bastante as bases das promoções da saúde.
Descobri uma metodologia da pesquisa baseada na comunidade e comecei a fazer os
primeiros encontros, que foram em volta da mesa, dentro do centro de saúde, bem
pequenininho. Aí começou a encher de gente e pensei: isso não pode ficar aqui,
então vamos começar a procurar um lugar para fazer uma horta junto com a mesa.
Reuni o pessoal da jardinagem, da cooperativa de trabalhadores de Manguinhos,
que tinha um galpão onde é hoje o Terrapia, uma horta para complementação da
marmita deles. Eles traziam a marmita, mas pegavam uma salada da horta. Aí eu
disse que também gostaria de usufruir da horta. E eles toparam e assim tudo
começou. Na sequência, fizemos um curso em forma de horta para adolescentes, até
que foi chegando gente, chegando gente, se estruturando… O que eu não deixava
faltar era a vontade de partilhar a comida viva. Hoje já tem muita gente que
está ‘100% vivo’. Tem a escola, chama-se Escola Viva Terrapia.
Ascom/MS/RJ: Como a Fiocruz te acolhe?
Maria Luiza: Me acolhe
completamente. Nunca tive dificuldade, porque a Fiocruz é uma instituição
inteligente. Ela tem compromisso com a pesquisa. O Terrapia é muito bem visto
na Fiocruz, por conta da adesão popular. Alguns colegas médicos já foram fazer
o curso e adoraram. Nutricionistas, então, são muitos.
Ascom/MS/RJ: O que esta semente
germinada faz?
Maria Luiza: Alimento vivo,
o foco é na semente. Na minha experiência, o que eu percebi foi a força da
semente, de como é que ela é capaz de promover mudanças estruturais na sua
vida. Só a presença dela, não precisa fazer muito mais do que colocar ela na
sua boca e também começar a tocá-la. A semente, em processo de germinação, é a
transformação viva acontecendo no máximo de potencialidade, um bebê rompendo. A
energia e a frequência dessa transformação proporciona um clarão de
consciência. De verdade, muda a mente, você começa a enxergar coisas que antes
não esperava. A percepção, a senso-percepção modifica completamente. Isso eu
não sabia, que alimento muda pensamento. Isso para mim foi a maior descoberta
do alimento vivo. E aí foi que perdi completamente o interesse por doenças e me
deu essa vontade de conversar com todo mundo sobre a alimentação viva.
Ascom/MS/RJ: Muita gente
questiona a validade científica, como vê a questão do ponto de vista científico?
Maria Luiza: Eu não me
dedico aos estudos científicos comprobatórios. Mas sei que tem muita gente
fazendo. A Universidade de Berkeley tem uma linha de pesquisa boa sobre isso.
Harvard tem uma linha de pesquisa em cima do corpo como ecossistema e como
alimentar o ecossistema. O Terrapia foi um experimento, com uma metodologia,
ele foi desenvolvido para como mobilizar a população, como trabalhar o grupo,
como fazer a população aderir. O índice de comprovação é de aderência. Este é
um indicador de sucesso, a sua continuidade. Porque tem todo um processo
metodológico de trabalho na área de mobilização da população. Isso é educação
em saúde, não é laboratório. Não me dedico à comprovação, porque decidi me
dedicar à metodologia educativa, isto é, como mobilizar a população a mudar
hábitos de vida. Isso chama metodologia qualitativa de pesquisa, dentro da área
social, que também é ciência. Esta é uma linha de pesquisa. Quando fui estudar
a força da semente, eu caio no conceito da energia vital. Esse conceito
atravessa toda história da medicina, de Hipócrates até hoje. É o chamado
movimento vitalista, que aceita a possibilidade de ter coisas que aconteçam sem
que você possa medir. Eu também não me dediquei a querer convencer ninguém
disso. Eu experimentei em mim e o que eu proponho é que você experimente em
você, porque aí vai ver a energia.
Ascom/MS/RJ: Levando-se em conta
os princípios do SUS, como universalidade, integralidade e equidade, como tornar
participativo esse processo do alimento vivo para pessoas com menos instrução
ou sem qualquer estudo?
Maria Luiza: Eu faço um
convite. Aqui, no Terrapia, a gente vai trabalhar o alimento vivo na prática.
Terrapia é 80% prática e 20% teoria. Então, aqui, vocês vão fazer a comida e
vão experimentar. O que eu posso contar para vocês é o que este alimento fez
comigo. Eu vou contar que para mim foi maravilhoso. Agora, você experimenta. Eu
não estou aqui com um produto maravilhoso para vender para você. Eu estou aqui
só querendo compartilhar uma experiência. O foco não é a doença, é a saúde. Por
isso que está 100% dentro do projeto de promoção à saúde.
Ascom/MS/RJ: É possível uma
dieta com base em alimento vivo mesmo com produtos não-orgânicos?
Maria Luiza: Não tem
problema. Até o contrário. O tomate, por exemplo, que é um dos grandes vilões
do agrotóxico, quando ferve ou cozinha, potencializa as toxinas. Então, o
alimento cru, pode lavar, esfregar e pegar a vitalidade dele. Com a vitalidade
dele, seu organismo dá tempo de botar para fora o que é ruim e de absorver o
que precisa. Porque está carregado da energia vital. A energia vital faz o
processo acontecer. O propulsor de sua própria energia, do alimento, que
potencializa a sua. O que eu falo: a gente não pode no Brasil se comprometer a
juntar alimento vivo com orgânico. Não pode! Porque o país não tem orgânico…
Então, a gente vai ficar esperando aparecer o orgânico para poder comer vivo?
Não! Vamos comer com agrotóxico sim, mas vivo… o que gera uma outra coisa. Todo
o meu processo inicial não foi com orgânico, não tinha acesso. Não tem saída
esta questão. Nós estamos imersos. Somos o campeão mundial de agrotóxicos, vai
fazer o quê? Eu li o guia do Ministério da Saúde e fiquei feliz de ver que tem
boas práticas de alimentação. Porque tem um monte de brechas para discussão do
alimento vivo ali dentro e é tudo o que a gente espera, que tenha uma segurança
de uma política séria de alimentação.
Ascom/MS/RJ: Tem toda uma visão
muito elitista de determinadas formas de se alimentar, o Terrapia quebra esta
questão?
Maria Luiza: Normalmente,
alimento vivo, no mundo, é para rico e é para gente chique, elitizada,
gastronomia gourmet. A única escola de alimentos vivos gratuitos é a Terrapia.
A gente faz moqueca de caju, moqueca de banana da terra, que é um espetáculo,
almôndega de banana da terra. É a pesquisa da culinária viva da alimentação
brasileira, onde todas as mulheres de qualquer classe social são inventivas e
podem criar.
Ascom/MS/RJ: Suas palavras
finais…
Maria Luiza: Não posso
abrir mão da discussão dos transgênicos e da agroecologia. O que está
acontecendo com os plantadores, o que está acontecendo com o movimento das
sementes no planeta? Quem é que está dominando as sementes e por quê? O que
está acontecendo com os organismos geneticamente modificados? Todos os nossos
alimentos já estão modificados, mas não necessariamente por transgenia.
Transgênico é quando junta o gene de um reino com gene de um outro reino. Por
exemplo, pega um gene do peixe e um gene do tomate e faz um ser que você não
sabe o que é. Isso é a transgenia. O organismo geneticamente modificado (OGM)
acontece na natureza todos os dias quando as plantas interferem uma na outra e
fazem mudança genética. Vem um inseto come um pedaço da folha e ali já produziu
um fenômeno genético na planta. Isso é um movimento natural. Mas isso, se for
artificialmente, já é uma outra coisa. A cenoura originalmente era mais fina
que um dedo, branca e comprida. Aí vai para o laboratório, muda o padrão genético,
engorda ela, e muda a cor, porque as pessoas não acham graça comer cenoura
branca. Vendem as sementes para todo mundo fazer cenoura igual no planeta
inteiro. E assim acontece com todos os alimentos. Todos, sem exceção e nós
somos isso. Quem é que faz a contraposição deste movimento? São os plantadores
comprometidos com as sementes originais. Já existe uma rede internacional. A
natureza faz isso, é da resistência. E cada um garante, através de uma troca, a
persistência. Eu, aqui, sou plantadora deste tipo de alimento original, de um
chuchu original. E cada um assume uma semente original, sendo os guardiões das
sementes no planeta, porque se não acaba e vamos sempre comer milho
transgênico. Não como milho transgênico, como milho original de sabugo preto que
é muito gostoso. É uma questão de atitude. Por isso, eu costumo dizer que comer
é um ato político. Então, em todo o processo alimentar, você pode se manifestar
politicamente com a sua decisão. A metodologia do Terrapia incentiva que todos
sejam seus próprios médicos e assumam o cuidado com sua saúde.
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Por Cláudia Ferrari e
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Aluízio de Azevedo
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Fotos: Cláudia Ferrari
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