segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Pra ler no banheiro - uma vida incomum como qualquer um 17






uma vida incomum como qualquer um 17


Pra ler no banheiro


Quanto mais me conheço, melhor vivo e cresço. E, se meus desejos expresso, vivo. Se guardo tudo, inconfesso, morro.

Uma decisão a cada momento, eternas decisões indecisas. Eterna indecisão, lamento. Nunca decisão precisa. O que é certo ou errado? Que crime merece castigo? Onde vou, pra que lado? Eu não sei, sabe o amigo?

Difícil é suportar alegria. Tristeza era fácil, matava no peito todo dia.

Daquilo que um faz, dali nasce a paz. Se erra, dali nasce a guerra.

Se reflito, duvido. Se escolho, defino.

Mas, estar contente, aprendo sendo, no presente.

Que decretos pessoais posso baixar em minha própria vida, que mudem, em mim, minha maneira de ser?

Volta e meia, vou pela intuição. Isto que sei e nem sei que sei.


Um quase nada de quase tudo
Então ficamos assim: falo bem de você, você fala bem de mim. Uma dificuldade enorme, aqui, de aceitar elogios e agradecimentos. Vou aprendendo, mesmo sabendo que muito do que me move é minha própria satisfação comigo mesmo. E identificação. Um terapeuta amigo sacou e me facilitou a vida... Só reconheço no outro o que tenho em mim.

Passado um tempo, meus convivas contemporâneos acreditam mais no que sou, no que faço, do que no que falo e não faço e não sou. Alegria gera alegria, gentileza gera gentileza.


Agora eu sei. Cada ato talvez tenha um significado. Quando fumo, agrido meu próprio corpo. Se ajo assim comigo, com o outro mais ainda. Sou então coerente quando jogo cigarro no chão, invado um sinal vermelho, dou um tapa, um tiro, solto uma palavra indelicada. Mas já sei que outros equilíbrios são possíveis, quando transcendo minha cultura masoque, cuido de outros ao cuidar de mim. Se não cuido de mim, como cuidarei de outros?

Tenho lembranças do século XIX, são reais. Na década de 40 do século XX, Salinas estava longe dos grandes centros. As modas chegavam tempos depois. Sem rádio, televisão, jornal. As notícias corriam, lentas, de boca em boca. Os causos contados na porta de casa eram de mula sem cabeça, almas penadas.

Os costumes eram antigos. No porão da sua casa, tia Odília guardava os ossos de seu pai, meu bisavô. Pra se pentear, ela subia num banquinho e só então soltava os cabelos que chegavam ao chão. Fazia linguiça. Enfiava ingredientes na tripa de porco. Para socar, usava uma chave grande, antiga. E quando, curioso, eu perguntei: que é isto, tia? Ela – chouriço, menino.

Carrego dentro de mim o que então vivi. Carrego tudo, mesmo agora, cidadão do mundo, o horizonte mais próximo, tudo tão mutante. Repito e tento: separar o que é meu, o que do outro, especialmente os sentimentos. E, quanto aos objetos e moedas, mais do que possuo as coisas, são as coisas que me têm.

Wilhelm Reich me ensinou, na teoria e na prática: meu corpo traz minha história. Quando faço o que gosto, sem perceber trabalho o tempo todo. Quando cai minha ficha, vejo o mundo diferente.

Tento crescer, mas inda é difícil suportar alegrias. Tristeza é fácil, matava no peito todo dia. Posso me comunicar com o mundo. Quando compartilho, me acalmo, melhoro. Se não me permito, a outros inibo.



Luiz Fernando Sarmento







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