uma vida
incomum como qualquer um 34
Afetos
As
gargalhadas de papai soam dentro de mim até hoje. E sua solicitude, senso
ético, bom humor. Era pródigo, deu muito do que tinha. Não sabia, do que sei, fazer
um café, fritar um ovo. Mas comia bem, era um bom garfo. Numa época,
cada garfada uma pimenta malagueta.
Gostava
de fazendas, bois, de vacas. E de mulas, éguas, cavalos. Muito mais de mulher.
Imagino que um bom amante, tão delicado com elas, eu imagino. Lembro de papai,
me alegro. Sou um tanto ele.
Sou
um tanto também mamãe, que pegou as rédeas da casa quando eu era inda
pequenininho. Mamãe gostava de conversar. Articulava bem. Não me lembro de
mamãe com abraços. Lembro dos chás, das gemadas que me curavam nas minhas
febres. E das decisões decididas. Se enternecia com uma serenata, com uma mesa farta,
marido e filhos servindo-se, supridos de falas e comidas.
Meu
irmão morreu cedo, aos 41, 42. Era o mais velho de nós cinco. Inteligente pra
caramba, primeiro lugar até o fim do científico. Depois, oito anos pra fazer um
curso de engenharia que pedia quatro. Divertiu-se pra valer em Ouro Preto.
Jogava sinuca, ganhava com frequência. Quando já empregado na CBA, subiu rápido
pra chefia de departamento. Enviava uma boa parte – acho que um quarto – do seu
salário pra mim, quando eu estudava em Brasília e ainda não trabalhava. Lembro
dele me levar junto pra peladas da infância: primeiro pras peladas de futebol,
depois pras peladas da zona. Era puro amor fraternal e eu não sabia. Dá
saudades.
Stella
me antecedeu na chegada ao mundo. Lina veio antes de Stella, depois de João
Porphírio. E Heloisa Helena se juntou a nós depois de mim. João foi pra fora,
pra universidade, quando eu tinha 11 anos. Só nos vimos esporadicamente por uns
tempos. Convivi com Lina, Stella, Ló diariamente até meus 16 anos, quando fui
fazer o segundo ano do científico em Belo Horizonte. Voltei, fiz o terceiro em
Montes Claros. E aos 18 anos fui pra Brasília, fazer Economia, que até hoje não
sei direito o que é.
Novinho,
eu queria ir junto com os mais velhos pros bailes que não podia. Mas tive um
bom período de festas, descoberta de outros mundos, logo adolesci. Tinha hora
pra voltar, no início. Depois os tempos se alargaram.
A
visão de mundo de mamãe facilitou nossa vida familiar. Avançada pro seu tempo,
moças e moços tinham os mesmos direitos em casa. E cada um tinha seus deveres.
Aos sábados eu engraxava os sapatos. Eventualmente ajudava a encerar a casa. Mas
não só.
Tive
um berço bom, sinto-me amado. Stella, Lina, Ló, permanecemos amigos durante nossa
vida. Temos sido solidários. É prazeroso nos encontrarmos. Conversamos de um
tudo, recordamos, nos atualizamos, jogamos buraco, comemos, passeamos.
Aprendemos desde cedo o respeito pelo jeito de ser de cada um. Me sinto em casa
em suas casas, tenho gosto. São portos afetivos.
De
Vera com João, nasceu Roberta. De Magda com João, nasceram Ludmila Yasmina e
Rodrigo Luiz. Lina e Paulo geraram Paulinho, Cláudia e Juliana. De Stella e
Alceu, nasceram Marina e Lucas. De Ló e Carlos Alberto, Pedro Gustavo, Ana
Julieta, Maria Elisa e João Luiz. De Ana Maria comigo, nasceu Felipe. Com
Vânia, tivemos Pedro.
Cláudia
e Iesus tiveram Iesinho e Larissa. Heitor e Heloisa nasceram de Clarice e
Paulinho. Roberta e Laércio tiveram Clara, Heloisa e João. Leonice e Rodrigo
Luiz tiveram Guilherme, Bárbara e Beatriz. Juliana e Marcelo tiveram Luiza. Marina e
Carlinhos tiveram Henrique. Ana Julieta e Carlos tiveram Júlia. Felipe e
Vanessa tiveram Bento e Beatriz. Iesinho e Zhairah tiveram Ágatha. Lucas casou com
Isabela, Pedro casou com Mariana, Lili namora Pedro Henrique, Larissa namora
Victor, Pedro Gustavo namora Luiza. Cada um do
seu jeito, o amor predomina. Mamãe e papai, se ainda conosco, gostariam de ver
como seus frutos dão novos frutos e se dão bem.
Pra ler com
calma
Quando escolho o novo, arrisco,
experimento, erro, aprendo, acerto, descanso, de novo tento.
Alimento minha alegria quando cuido
do meu corpo. Sou comigo afetuoso quando escolho a palavra, o pensamento, o
ato, a notícia que leio, o fato que espalho.
Lá em
casa, fácil achar. Tudo volta pro mesmo lugar.
Então combinamos assim: falo do bem de você.
Você, do bem de mim.
Aprendi
com uma amiga, que aprendeu com um amigo: dói, tomo um remédio, a dor não
passa, um tormento. Lamento, não é doença. É sofrimento.
Estou contente. Aprendo sendo.
Luiz
Fernando Sarmento
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