sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

meu corpo fala - 142 - uma vida incomum como qualquer um









meu corpo fala



.1.
Vivo, um tanto, vida de índio. Aos 73, me permito. Trabalho 3, 4 horas todo dia. E me deixo levar. Trabalho tipo fazer o necessário para eu bem viver. Simples, assim, fazer comida, arrumar o que desarrumo, apoiar quem por perto, escrever.

.2.
Enquanto descanso, balanço, danço. Ando um tanto descansado, aprendiz de preguiçoso. Cuidador de mim mesmo, o essencial tem me suprido a vida. Arrisco, uma arte simplificar.

Reconheço, agradeço alguma luz que me veio. Sou responsável pela vida que vivo. 


Meus sentimentos indicam meu rumo, minha vida. O que vejo, ouço, cheiro, toco, falo, faço determinam o que sinto. Aprendo escolher o que sinto
.
.4.
Um poeta sentiu e sacou, “Perdi minha vida por educação”. Aprendo estar atento pra não perder minha vida por mágoas, descuidados, desafetos, enganos.

.5.
Sentimentos repetidos me agarram, ficam em mim. Desde criança. Adulto afora, carrego minha criança em mim. O que sinto, o que sou, se relaciona comigo criança, com minha infância.

.6.
Busco, hoje, aquele abraço que, por desventura, não tive. Hoje, busco suprir aquele vazio que na infância algumas vezes senti – mesmo não percebendo que o vazio que sinto talvez antes tenha nascido ali.


Hoje, acredito, meus sentimentos determinam o que vivo. Vivo, mesmo, é o que sinto. Aliás, só vivo, mesmo, o que percebo do que sinto. O que não percebo, nem sei que sinto. Não vivo.

Hoje, sei, meu corpo fala. Como cada Ser, carrego no meu corpo minha História pessoal.

Meu corpo fala. Preciso aprender a ser comedido. Como muito, quase me entupo por voracidade. Se o gosto é bom, não quero parar. Como o tanto que naquele momento desejo. À noite, meu corpo fala. Sinto queimação aqui dentro do que imagino esôfago. Passo, então, parte da noite sentado. Passada a azia, deito pra valer e durmo. Meu corpo me falou, já sei, não devo comer demais.

.9.
Aprendi, há tempos, exercitar a musculatura dos meus olhos. Quero recuperar sua elasticidade original e, como consequência, enxergar direito. Algumas vezes, com estes exercícios, atento, revivo sentimentos, medos de quando eu tinha dois, três anos.

Na época, pra não ver o que na penumbra eu via, fechava os olhos, apertava, apertava tanto que perdi a elasticidade da musculatura ocular e não consegui mais focar, enxergar direito. Hoje, quando exercito esta mesma musculatura, revivo medos antigos. Meu corpo reaviva minha memória, me conta minha história. Meu corpo me fala.

Estes mesmos exercícios oculares me despertam movimentos involuntários na pélvis, mexem com minha sexualidade.

.10.
Aprendiz, mexo no corpo, mexo nos sentimentos. Percebo, sou um todo sistêmico. Este aprendizado tem me facilitado a vida saudável. Se percebo sintomas, procuro descobrir as causas. Se cuido das causas, os sintomas se vão. Sem remédios.

Se me desequilibro emocionalmente, meu corpo reage. Por exemplo, meus dentes se abalam. E quando me reequilibro, meus dentes se firmam. Prefiro ir ao dentista quando me sinto equilibrado.

.11.
Racionalizo tudo, mas a emoção emerge e prevalece. Os sentimentos – conscientes, inconscientes – me invadem, moldam meu comportamento, estimulam movimentos, paralisias e ausências, tomam conta de mim. Meus sentimentos se expressam no meu corpo. Meus sentimentos me guiam. Meu corpo fala o que sinto.

.12.
Talvez alguém se lembre, em algum momento, em algum lugar tenha sido assim. Pra desmamar o bebê, a mãe – imagino, sofrida como ela só – passava borra de café ou pimenta no próprio seio. O bebê levava o choque, eternamente marcado. Desmamava. Ficava aquele vazio dentro de si.

Sem saber porquê – inconsciente – o bebê cresce, passa o resto da vida a tentar suprir esta falta que não sabe de onde vem. Busca no poder, no dinheiro o tapa-buraco. Mas, constante, a frustração, a permanência do vazio, o inferno em vida.

Hoje, como antes, em muitos de nós permanecem marcas nascidas da indiferença, da violência, do amor ausente.

.13.
Sorte se me cai a ficha, se tenho o insight, se compreendo emocionalmente a falta que sinto, antes inconsciente.

Como a ostra – arranhada, se fecha, cria a pérola – talvez meus talentos atuais se relacionem com os arranhões na alma que, antes, sofri. Ou com o que pelo prazer aprendi.

.14.
Vislumbro uma saída do labirinto em que me encontro: aprender a me conhecer. Aprender a me permitir ser o que desejo ser. Aprender a me amar.

.15.
Doença, em mim, começa assim: qualquer forma de maltrato, meu corpo reage, adoece. Pra voltar a ser saudável, paro de me maltratar. Descubro um jeito de acalmar minha mente, de cuidar do meu corpo.

.16.
Eu poderia entregar os cuidados com minha saúde a outros que não eu. Poderia me submeter a medicamentos que eliminariam meus sintomas. Ou me entregar a cirurgias que cortariam partes de mim. Poderia não cuidar das causas, só cuidar dos sintomas. Mas, se assim, já sei: dali a pouco, oieudenovo com problemas de saúde.

.17.
Sinto, minha saúde depende de mim. Minhas escolhas determinam meu estado.



 Luiz Fernando Sarmento

foto de Luiz Fernando
por
Ipojucan Pedroso Ludwig


















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