terça-feira, 21 de maio de 2024

116 movimento, ar, vento




116


Posso gastar a vida assim, a falar de coisas que nada entendo, a acolher pensamentos que me afastam dos meus sentimentos. Ou navegar em outros mares aqui dentro.


movimento, ar e vento



Não sei como é, pra você que me lê. Meus sentidos despertam minhas memórias. Às vezes é um gosto, um cheiro, uma imagem. Outras, um toque, uma música, um não-sei-o-quê. Sei que carrego, em mim, minha memória. E um tanto desta memória está no meu corpo.


Assim, volta e meia me pego a sentir uma emoção intensa, despertada pelas memórias que meus sentidos despertam.


Mas permanecem mistérios. Sinto, também, que o que me toca, fica em mim. Quando sinto, acredito. Minha fé vem do que sinto, do que vivo. Esta fé vem da certeza de ter vivido aquilo que vivi e me tocou e me marcou. Ficou em mim. Acredito. Tenho fé. É minha, a minha fé. Como é de outro, diferente, a fé que outro sente, fruto da sua própria vivência. Só sabe quem vive, só sabe quem sente.


Também não tenho certeza se real o que me lembro. Falsas memórias são possíveis. Desejos, imaginações, um risco, se confundem com o real. Arrisco viver pelo que sinto. Os sentimentos, em si, já mistérios.


Janelas se entreabrem. Percebo, difuso, assim enevoado, sentimentos – aqui em mim – que se conectam a sentimentos afins em outros seres, gentes, bichos, plantas, terras, ares, onde haja vida, em tudo que pulsa, animais, minerais, vegetais e mais. Mais pra sutil, tudo. Posso, também, nem perceber nem vislumbrar. Sentimentos diferentes em diferentes formas de vida.


Minha respiração interfere no que sinto. Minha consciência interfere no que percebo. Meu corpo, minha mente, meu espírito percebem diferente quando estou consciente. Se amplio a respiração, então, vivo outro jeito de viver.


Meus movimentos interferem em minha respiração. Danço sozinho, boto a música e danço. Caminho. Às vezes brinco de neném. Deitado em minha cama, barriga pra cima, como um bebê bato pernas e braços até cansar. Isto amplia minha respiração. E me largo, a observar o que me vem à memória, o que sinto.


Cozinhar, arrumar a cozinha, voltar as coisas pro seu lugar têm me alegrado.


O que alimento se transforma em mim. Seja animal, seja vegetal, seja mineral. Pode ser o porco, pode ser o inhame. Pode ser a água ou a cachaça. Dentro de mim, viram eu.


Sou, assim, fruto da minha alimentação, respiração, movimento. E mais. Do que me lembro, sou também fruto dos meus sentimentos. Calmo, sou um. Raivoso, sou outro. Mesmo que o mesmo.


Descubro. Se bem me administro, bem vivo.


*

A língua de fogo lambe o que queima, se alimenta, vira labareda. Infinitas formas naqueles movimentos. O que queima vira brasa, a brasa aviva, bela. Finita, lá se vão o calor, o brilho, aquela vida. Carvoeja. Se mais queima e queima, cristaliza, diamanta. Talvez seja assim. Ou não. Sei que – disto como de tudo mais – quase nada sei. O que penso que é… é só o que penso, não é.


Posso gastar a vida assim, a falar de coisas que nada entendo, a acolher pensamentos que me afastam dos meus sentimentos. Ou navegar em outros mares aqui dentro. O ar que entra e sai, quanto mais intenso seu movimento, quanto mais atenta minha consciência, me sopra pra mais além, abre portais, conhecimentos. E quanto mais penso que sei, mais me engano. O que me salva é esta intuição, isto que talvez eu saiba sem saber que sei.


Misto de realidade e tipo sonho, linguagem do sinto-sente, como se outros mundos aqui, ao mesmo tempo, agora, minerais, vegetais e mais. Tudo pulsa e vive. Uma pitada de alegria, uma sensação de leveza, tudo novidade. Antigo, mas novo pra mim. 


*

Hoje, está mais difícil expressar o que sinto. Parece ontem, coisas que já vivi e revivo.







 

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