sexta-feira, 10 de maio de 2024

127 viagem



127


Como não vivo os vazios que não sinto… A falta que não sinto não desperta meu desejo, Não crio, em mim, necessidade – mãe da angústia, parente da infelicidade.


viagem



A cabeça de Zeca, amigo imaginado, livre pensa. Uma coisa leva a outra. Imagina. Um som, uma cor, um gesto, gosto. Não é pra botar inveja, não. É só a alegria de compartilhar a alegria de escolhas certas. Ao meu olhar, um pasto num monte, árvores amigas. Há pouco, sol. Agora, água farta. A chuva cai. Estou na serra, plantas pra tudo que é lado, os sons do mato, da mata, a alma calma.


No meu prato, pela ordem de chegada, pimenta malagueta, feijão com arroz, mandioca, um pouco de sal, couve, outro pouco. Alface. Banana da terra cozida. Me disperso no comer, engulo rápido, mastigo pouco, desatenção no cheiro, no gosto. Volto, bê-á-bá, tateio. E navego neste vaivém da consciência do que faço, do que sinto, do que estou.


Depois, vaga memória, intercalado, colaboro na casa, escrevo, corpo ao sol, banho frio, caminho até a horta do condomínio, me agradeço alguns cuidados comigo. Antes, tentativas frustradas de recuperar o funcionamento do celular com a tela apagada. Às cegas, não sei a que corresponde cada toque na preta superfície. Ligo o telefone ao computador, repito e tento até acertar, ao aparecer na tela do laptop o símbolo do botão do celular. Acesso o que está na memória do telefone, copio ou recorto e colo na memória do computador.


Mania de tudo arquivar, renomeio, incluindo em cada arquivo, além de palavras chaves, a data ao contrário, jeito que inventei – como, imagino, milhares ou milhões também sacaram – para arquivos se ordenarem cronologicamente, naturalmente.


Passei a ter, como quase tenho, fácil acesso a tudo que assim arquivei. Esta memória virtual tem sido ativada a cada necessidade criada. Uma imagem, um som, uma cor, um gosto, um cheiro, além do quinto sentido, se ligam a inesperados outros – as tais sinapses – e despertam necessidades, situações, outros estados.


Inspiro mais fundo. Atento, repito, pego o ritmo, o presente mais presente. O depois, o passado, pois, ultrapassados pelo presente. Prevalece o real, me atenho à realidade. Tomo ciência do que fantasio, percebo o que é de fato. Mas, se emerge alguma, prevalece a emoção. A razão vira exceção.


Entre redemoinhos e calmarias, aprendo, me entrego. Movimento. O vento me leva, voo. A calmaria traz calma. Acalmo, me adapto ao que é. Não mais sinto falta por não ser o que deveria ser. É o que é.


Um toque de pele, um roçado de braço, um abraço me toca, desperta sentimentos, lembranças, sentidos. Aqui não vigora o tempo, o passado é presente da lembrança, o futuro se ausenta, o agora é que vigora.


Tudo muito rápido, talvez porque tudo único, nada se repete. E a tal da batida de asa da borboleta reverbera em ondas até o infinito. Imagens em movimento viajam no tempo, no espaço, ausentes dos meus sentidos. Não percebo, não sinto, não vivo. Mas lá se vai o passado – irmão mais velho do presente – projetado em todas direções, memória eterna do agora. Lembra da memória akáshica? “Os Registros Akáshicos são os arquivos de todas as informações presentes em nossas vidas passadas, presentes, paralelas e futuras.”.


Tudo ganha sentido. A vida bela à minha escolha, a toda hora – estar ou não estar aqui, agora. Ser ou não ser. Minha potência chega à consciência. Sei o que, em mim, está ao meu alcance. Livre decisão, cavar ou não, o buraco neste chão. Mas mais. Alimento meu poder ser. Atento, escolho. Desatento, fecho os olhos e arrisco esta trilha que é a vida. Alimento o acaso, um poder fora de mim define a vida que vivo. Como se já não bastassem as emoções, um tanto fora do meu controle – mais ainda quando não conscientes.


Como não vivo os vazios que não sinto… A falta que não sinto não desperta meu desejo, Não crio, em mim, necessidade – mãe da angústia, parente da infelicidade.


Chego perto do meu desejo e vejo. Este tanto mata minha fome. Este tanto a mais, voracidade. Procuro sinapse, sentir sua origem em mim, o estalo não chega.

Se dinâmico o equilíbrio, a cada asa batida, muda o tudo de lugar. Se dinâmico meu equilíbrio, a cada mudar do mundo, estou eu a me adaptar.


Talvez, um tanto, minhas necessidades atuais tenham origens em mal-estares que me ficaram. E provocaram sequelas que seu não-suprimento me trazem. Eu aqui neste tatibitate. Tudo permanece mistério. Isto é o que é. Agora.





 

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