sábado, 15 de junho de 2024

101 ladainha, quero ser eu




101


Contradigo o que, há pouco, afirmo.


ladainha, quero ser eu



Desconfio de minha memória. Mistura de sonho e realidade. O mesmo sonho que realiza meu desejo torna real o que inda não é. Daí, a ladainha, a repetição misturada à novidade.


Como uma ladainha, quase um mantra, me relembro, me repito. Quero ser o que desejo. Quero amar ao próximo como a mim mesmo. Quero pra cada um o que cada um quer de bem pra si. Quero o bem viver, meu e de cada um. Quero cuidar de mim, antes que me cuidem. Quero cuidar do outro, quando transbordo. Pra todos, desejo o que lhes faça bem e mal a ninguém.


Meu limite é o bem viver do outro. Quero viver bem comigo e com cada outro. Quero cuidar, proteger a mim e a cada um. Quero, no mínimo, não atrapalhar a vida do outro. Quero cuidar do outro como gosto ser cuidado.


Experimento ser o que quero. Meu limite, fronteira com a liberdade do outro. Meu poder, poder escolher o bem-fazer no que fizer.


Quero viver com boa vontade. Quero viver sem mentiras pra mim mesmo. Quero viver o bem que desejo pra todos – pessoas, bichos, plantas, águas, terras, pedras, ares, universos. Quero aprender bem viver neste mundo, como este mundo está sendo.


Tento e aprendo. Mistério profundo, o que desejo e faço me retorna. Sinto e usufruo.


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Trabalho no que me atrai desde antes de me aposentar. Recebo o necessário para o estilo de vida que vivo. O que ganho é gasto com o que vivo. Minhas despesas são relativas a minha habitação, à alimentação, saúde, diversão, aos cuidados comigo e com outros. Água, luz, gás, telefone, internet, condomínio, impostos, manutenção, faxina, feiras, mercados, plano de saúde, dentista. E mais, remédios eventuais, despesas na rua, um cafezinho, uma doação, esmola, um pão, um almoço fora, um cinema, um passeio, uma visita, uma massagem, uma viagem. Transportes urbanos, já não pago, nasci em 1946.


O balcão da cantina do colégio foi meu primeiro pequeno trabalho, aos onze anos. Depois, não parei. Comerciário, professor, estagiário, servidor, massagista, terapeuta, videomaker… exerci as funções mais diversas durante a vida. Aposentei-me aos sessenta e cinco, hoje recebo mensalmente cerca de quatro salários-mínimos. Limito meus gastos ao que ganho.


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Aqui em casa, cozinho, arrumo a cama, laboro nas tarefas de todo dia, quase tudo que uso volta pro mesmo lugar.


Escrevo, cuido das pequenas burocracias, tendo a simplificar, levo uma vida simples. Às vezes é complicado simplificar a vida. Aprendo conhecer a mim mesmo e ao outro e ao mundo. Leio o que me faz bem. Informações, seleciono. Gosto do que me fortalece. Adoeço com o que me enfraquece. Descuidado, escolho errado. Se me alerto, acerto.


Estou vegano, só tenho comido vegetais, de preferência orgânicos. Nada animal, nem derivados. Não como gorduras, necas de azeite, manteiga, óleos. Desentupo veias e artérias com o que faço por mim: alimento, respiração, movimento. E aprendo, escolho pensamentos. Em decorrência, leves os sentimentos. Tudo aprendizado. Tropeço, de novo tento, conserto. Os resultados me animam, me sinto saudável.


Aprendo descomplicar, levo uma vida simples. No que sou potente, quase sempre escolho o que fazer, de acordo com meu desejo. No que sou impotente, aprendo reconhecer e, mesmo assim, bem viver. Tudo novo, se repete diferente. Tanto me repito, me permito, acredito.

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Contradigo o que, há pouco, afirmo. Também, sei e não sou. Sei que o veganismo me faz bem, mas, mesmo assim, volta e meia como um queijo, um ovo, uma carne. Sinto a diferença, meu corpo me fala, canso, volto aos vegetais. Como um pecador arrependido, aí me digo e repito, vegano, sou vegano. Sei, assim sou, ora não ora sim.


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Minha vida, meu tempo é minha moeda. Vida menos custosa quando compartilho o viver. Melhor ainda quando divido a obrigação e amplio o prazer.


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Estas práticas têm me feito bem. Minha saúde integral – mental, espiritual, corporal, relacional… – tem a ver com minhas escolhas. De vez em quando, tropeço em minha língua comprida. Falo demais, melhor seria não ter dito.


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Critico, internamente, tudo que é, de mim, diferente. Chato, um tanto quanto santo.


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Meu indicador tem sido meu humor, tenho cuidado dele. Aquela aparente bobagem que entendi há tempos, cada escolha interfere no agora, no depois. Foco nos alimentos, respirações, movimentos. Foco nos pensamentos, nos sentimentos. E, quando permaneço atento e me permito, aprendo o antes impensável, o impecável.


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Nada tão diferente, aqui, de outros lugares, pra quem fica tanto em casa, como eu. Tem o silêncio, um e outro som de mato, de passarinho. O sol, a chuva mais perto. Os cheiros, fazer comida é quase meditação. E o me deixar levar, sem noção da hora, seguir meus pequenos desejos, uma rede, uma tarefa, uma leitura, uma escrita, uma conversa amiga.


Outros dias, meus músculos flacidam, pedem caminhar. Um bocó, eu. Vario. No máximo, tenho ficado sem óculos, a treinar os olhos. E, volta e meia, meu peito contido me chama, inspiro. Agora aprendo o spotify, headphone, bluetooth, ligadão, nestes momentos sou música. Danço. Meus corpos agradecem.


Pensamentos recorrentes tentam invadir minhas fronteiras, ainda não sei direito o que fazer com eles. Às vezes me levam pra fora daqui. Fujo, volto pro presente. Outras vezes, trazem à memória algo inda pendente. Aprendo.


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Aprendizado, escolha constante, esta, do bem viver. Isto, o que penso que sei. Tem também o que não sei. E o que sei e não sei que sei. Quando mais espreguiço, mais me entrego, me tranquilizo. Viver, uma viagem. Mas, confirmo o que intuía, só vivo mesmo o que percebo do que sinto. O que não percebo – é como não sentisse – não vivo.


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Saber e não ser? O que me impede, me impediria fazer o que, já sei, me faz bem?








 

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