quarta-feira, 12 de junho de 2024

103 achados e perdidos




103


...incontáveis estrelas. Que nem sei se são. E estas luzes que de lá chegam, carregadas de mensagens que não decifro.


perdidos e achados


Acordei entristecido. Eu, que quase um tudo racionalizo, agora, me emerge a emoção e prevalece. Uma incompletude dentro de mim, um sentimento de impotência diante de mim mesmo, além desta conhecida impotência diante do mundo que está sendo. Esta minha insensibilidade, a morte do outro já não me toca. Pensamentos variados, aos montes, hoje me entrego e deixo entrarem. Junto, esta tristeza.


Tomei um banho quente como há dias não tomava, ducha fria ao final. Antes, aparei a barba, lembrei de papai e seu ritual. Remoí na cama, quentura de cobertas, o sol saiu das nuvens, tudo cor, natureza viva ao redor. Comida pra gata, um café aqui ao lado. Hoje faço a feira, já sei, mamão, coco, banana, abacate. Se não chegarem as verduras orgânicas, colho ali na hortinha. Não tenho razões pra reclamar.


Meu físico está inteiro, nada que doa, estou onde quero, faço o que quero, trabalho no que quero, experimento escolher pensamentos, escrevo o que me vem à cabeça, acredito, sinto vida depois da vida, me movimento, respiro pra chamar emoções, mesmo mistério, percebo o que não percebia nas plantas de que, de quem me aproximo, nos bichos, bichões, bichinhos. Desconfio, pulsam, os minerais também têm vida.


E sei e sinto, como vegetais e os vegetais se transformam em mim. Eu mesmo, questão de tempo, me decomporei, comido por bichos e plantas, me transformarei em quem de mim se alimentar. Ao pó voltarei.


Sou parte do ar que me rodeia, desta mesma natureza que me deslumbra, desta água que corre fora e dentro de mim. Mistério, tudo mistério. Este ser impalpável que me chega, dentro, e me incorpora, me amplia a visão, abre minhas sensações, entreabre outros mundos. E olho pra cima e vejo nuvens vivas, deslocando não sei pra onde, etéreas, momentâneas, se formam, desformam, desaparecem.


À noite, aquele monte de estrelas a piscar, pra quem estiver a olhar, também pra mim. E cada estrela maior que outra, muitas e muitas, incontáveis estrelas. Que nem sei se são. E estas luzes que de lá chegam, carregadas de mensagens que não decifro. E estas outras ondas que nem percebo, que me trazem os sons dos celulares, as imagens, o que não conheço.


Fora os sonhos, os que lembro e os que não. Mistérios, mistérios, mistérios. E eu, perdido neste agora, esta tristeza que se transforma em aceitação do que sou, do que é, do que penso saber, do que nem sei. Esta pequenez de mim. Que me alegro quase à toa, um orgasmo, mais que espasmo, um abraço, um olhar, um toque, uma soneca, um relaxo, um gosto, um cheiro, uma lembrança.


Sofro agora sem saber porque. Inda boto pedra no meu caminho, tropeço, arrumo coisa pra fazer – precisar, não preciso. E objetos que descarto e voltam. E manias, as minhas, que me ameaçam. Tudo ao mesmo tempo agora. Meus sentimentos a aflorarem com meus olhares.


Este palco enorme da vida, ao meu redor, o inconsciente a botar a cabeça pra fora. Como se minha alma fosse minha consciência e minha consciência fora do meu corpo, a vagar por aí, a captar no éter, no ar, ideias, pensamentos, sentimentos.


E estes seres que tenho medo, ao mesmo tempo, me atraem. Viro de costas pro escuro, no escuro da noite, um calafrio, a sensação de algo atrás de mim, a me ameaçar. Isto, desde pequeno, desconfio, entrou na minha memória quando me contaram estórias e estas estórias, em mim, viraram realidades de agora.


Racionalizo um tanto, a emoção emerge e prevalece. Perdido, me entrego e gozo o copo meio cheio que estou, ou me entrego e sofro o copo meio vazio que também.


Talvez eu esteja pela estrada enlameada, esburacada, aquela que, de repente, me atola. Poderia, assim, voltar minhas crenças pro que, meio, me conforta e me domina, imaginar o deus que desejo, me entregar a ele. Pior, poderia me submeter a quem me diga que é braço deste deus e me doutrine.


Mas, sinto, sou parte deste Deus que desconheço, puro mistério. Entendo nada. Pego uma folha, vou fundo, olho dentro e dentro passo por células, por átomos, por partículas que se abrem como portais para outros universos.


Como a folha, tudo mistério. Um cabelo, um grão, uma gota, o vento, verão, inverno… E se olho pra cima, mesma coisa, cada vazio preenchido. O que não vejo, não percebo, nem sei que existe, nem sei que é. E fico nesta pretensão de entender o mundo, mesmo não me entendendo. E me engano quando quero transformar o outro, quando vejo no outro o que sou eu.


Talvez só me reste ser sincero comigo mesmo, reconhecer minhas ignorâncias, aprender conviver com quem sou. Bom é que sinto, sou parte de um todo que tudo inclui. Se bem me cuido aqui, bem cuido do mundo, de tudo. Mas, olho no espelho e não posso mentir pra mim mesmo, não tenho certeza.


*

Comprei as frutas pros próximos dias, arrumei a sapateira, dancei os roques que gosto, cozinhei a mandioca, lavei a roupa e cá estou. No caminho pra calma, recupero minha alegria. Bom dia.







 

Nenhum comentário:

Postar um comentário