segunda-feira, 10 de junho de 2024

105 vida nova




105


...poderia até calcular prazos, mas sabe que prazos lhe criam ansiedades. Então, Chico tem metas, mas não tem prazos.

vida nova


Ele, o personagem nasce aqui. Seu caminho, eu crio e oriento. Apresento: Chico. Eterno, enquanto dure. Terno, tão quanto se cuida.


Tem a idade que sente, vive o presente. Ativo, já não longe, pressente períodos dependentes. Chegará o momento em que não mais andará de bicicleta, subirá escada, dirigirá carro. Nem, sozinho, irá à rua, cozinhará sua comida, lavará sua roupa, manterá funcionando sua casa, tomará seu banho. Não mais como agora. Diferente de agora, será dependente. Este cara sou eu?


Mas se pergunta:

o que pode fazer, hoje, a favor da permanência de sua independência?


*

Chico, independente. Vantagens: Chico pode ser ele mesmo – em função do seu próprio desejo, dedicação, possibilidade.


Se Chico independente, aquele outro que cuidaria de Chico – o cuidador – estaria livre para cuidar da sua própria vida. Sem o encargo de cuidar de Chico.


Chico pensa: outras pessoas vivem dilemas semelhantes. E, talvez, também, algumas delas desejem ser independentes, ser elas mesmas – e se dediquem a ser si mesmo, de acordo com seus desejos e possibilidades.

Para estar independente, Chico deve saber o que precisa, definir que vida se propõe viver. Agora e depois. Independência, para Chico, é cuidar da própria vida.


Neste momento, uma alegria, Chico tem uma fonte de renda, após trabalhar e contribuir tantos anos. É aposentado como comerciário. Sabe exatamente quanto recebe mensalmente. E sabe do seu limite de gastos – no máximo, o mesmo valor que recebe. Nem pensa em endividar-se.


Lembra, uma vida pessoal realista, focada no essencial, simplificada, facilitará manter sua independência.


Mas, antes de Chico fazer contas, se aproxima dos seus desejos e imagina antecipar para já seu futuro. No futuro, ele vive só. Ou divide o espaço com quem dele cuida.


Chico se dá um tempo. Precisa refletir mais sobre tudo isto. A questão permanece aberta ao livre pensar – o que pode fazer, hoje, a favor da permanência de sua independência.


Quando o desejo se instalar, hora de definir metas. E prever sua realização, passo a passo, com seus custos e considerações. Chico poderia até calcular prazos, mas sabe que prazos lhe criam ansiedades. Então, Chico tem metas, mas não tem prazos. Chico vive sem ansiedades.


*

Ao tomar um café, se dá conta. Tanta gente boa no mundo, antes e agora. Alguém descobriu como fazer um café assim, bom que dá gosto. E a cadeira, a rede, os óculos, o garfo, o livro, a bola, a música, a poesia, tudo inventado. Gente boa, esta, que, antes, inventou isto tudo que agora Chico usufrui. Chico começa a prestar mais atenção, a dar valor sentimental ao que está ao seu redor.


Descobre valores, também, em pessoas com quem convive. Aquela que tem bom humor, outras que cozinham, cantam, abraçam, descansam, cada uma do seu jeito. Estas qualidades Chico não percebia.


*

Chico conversa com amigas e amigos sobre a questão que se propôs, permanecer independente. Encontra pessoas que ainda não estão. Estas, pra permanecerem independentes, talvez tenham, antes, que aprender já estar. Descobre outras que mais se interessam pela questão. De conversa em conversa, surgem ideias e vontades.


A primeira vontade que lhe surge, vida comunitária. Comunidade, com pessoas de todas as idades.


*

Chico tem outra vantagem, gosta do lugar onde mora. Mesmo assim, voa a sua imaginação. Um terreno grande, uma água que brota dentro, uma internet funcional, casas independentes, áreas comuns, a vida boa já, a oferta pros amigos que deseja próximos.


Pensa e repensa. Vida comunal, como a beleza, é, também, um estado de espírito. Independente de estar no mesmo espaço, Chico se alegra: pode compartilhar sentimentos com outros e outras que estão fisicamente longe de si.


Passa pela cabeça de Chico experimentar o tal do estado de espírito comunal. Quer, agora, aprender a ver os outros como semelhantes. Chico se alegra só em imaginar.










 

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