segunda-feira, 24 de junho de 2024

93 como nascem as brigas



93


...espalhar monte de penas ao vento. Impossível catá-las todas. Como impossível desmentir espalhadas mentiras.


como nascem as brigas



As minhas nasciam dos medos. Chico Buarque já previa, “...filha do medo, a raiva é mãe da covardia”. Ali, na praça de esportes, na escola, nas ruas, primeiro, vinham sentimentos misturados – constrangimento, tristeza, medo, impotência, raiva – frutos de brincadeiras maldosas, às vezes verbais, às vezes físicas.


Sem saída, ou brigava ou brigava. Eu não gostava. Não era da minha índole. Não gostava e não sabia. Apanhava. Nunca mais voltei a falar com alguns com quem briguei. Oportunidades perdidas, permaneceram mágoas.


Hoje sinto – tudo intuição, aquilo que sei e nem sei que sei – quem caça briga na rua, normalmente apanha em casa. Desconta na briga na rua a surra covarde que sofreu em casa.


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Imagino outros motivos pra brigas infantis. Tipo “eu tenho, você não tem”. Quem não tem, quer ter. Se o outro tem, e eu não tenho, tento tirar do outro o que o outro tem. Brigamos. Quem ganha fica com o brinquedo. Magoado, quem apanha talvez não se esqueça. Não me esqueci do que sofri.


No fundo, desconfio, carinho – um abraço, um colo, cafuné – é o que cada um mais desejasse. O brinquedo talvez substituísse o afeto.


Quando adultos brigam, complica. Ficam de mal por mais tempo. Antigamente, não sei se hoje, brigou com um, brigou com a turma toda. Mágoas herdadas, diferentes famílias inteiras, por anos e anos, não se falam, não se relacionam.


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Guerra, pra mim, é uma briga grande. Os motivos, intuo, são semelhantes às brigas de crianças, mesmo que em outra escala. Tipo “nós temos petróleo, vocês não têm”. Quem não tem, quer ter. Se o outro tem, e eu não tenho, tentamos tirar do outro o que o outro tem. Guerreamos. Quem ganha fica com o brinquedo. Profundamente magoados, os que apanham talvez não se esqueçam. Nações inteiras permanecem tensas, inimizades, conflitos à flor da pele. Confrontos.


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A Arte da Guerra, de Sunzi, foi escrita há cerca de vinte e cinco séculos. Ele diz “O caminho determina que o povo esteja em concordância com o seu superior, ao lado de quem possa morrer, ao lado de quem possa viver, sem temer o perigo.”


São muitas as considerações sobre a guerra. Preparações, tempos, logística, propaganda, manobras… e por aí vão.


Diz, também,”A guerra é a doutrina do engodo.” Engodo é engano. “Aquilo que se usa para enganar. Fakenews, notícias falsas, mentiras.


Fakenews, novidade pra mim, difícil desmanchar notícia falsa. Como naquele filme, analogia da fofoca – espalhar monte de penas ao vento. Impossível catá-las todas. Como impossível desmentir espalhadas mentiras.


Quem fofoca é responsável pelo que a fofoca provoca. Sinto, o soldado – como qualquer um que aprove a guerra – é, também, responsável pelo que o tiro provoca.


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Não estava lá, não vivi aqueles momentos, não sei o tamanho da verdade que historiadores me informam. Mas, do que penso ser verdade, desde priscas eras, alguns povos foram dominados por outros povos. O império romano, lembram? E os impérios português, espanhol, francês, britânico…? E tantos outros domínios, em outras partes do mundo, que nem soubemos. O chinês, o japonês, o mongol, o egípcio, o turco, o russo… Guerras e guerras, em busca de poderes. Mortos e mortos. Sofrimentos sem fim. Guerra é guerra.


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No meu tempo de menino, homens usavam camisa branca. Se preta, luto. Hoje, camisetas de todas as cores, grande parte delas com dizeres em inglês que, às vezes, nem sabemos o que significam. Víamos filmes românticos, faroestes, séries. A maioria, americanos. Internalizamos a cultura da América, seu modo de vida, seu “way of life”. Inglês passou a ser, aqui e em grande parte do mundo, uma língua universal.


Muitos de nós desejam o que os americanos consomem, querem ir a Nova York, à Disney, viver lá. Somos consumidores de uma mesma cultura, nós e os americanos. Sutilmente – nem tanto – dominados, nos guiamos pelos desejos de quem nos domina. Vivemos, aqui e agora, o império americano.


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Não confio, de imediato, no que me é dito por alguém que não conheço e nem sei quem é. Chegam informações variadas, muitas sofridas, a cada momento, de fontes que desconheço. Eventualmente, algo interessante, que talvez contribua pra melhorar a vida de quem leia. Mas, em grande parte, informações desconfiáveis.


Os grandes jornais – e as grandes tvs e rádios – me repetem, com outras palavras, as mesmas informações. As fontes são as mesmas. Às vezes, uma fonte só, se o assunto é guerra. Ou seja, não sei do outro lado. Desconfio. Como, quando não conheço quem me envia, desconfio do que me chega através do facebook, do email, do whatsapp. Questão de sobrevivência emocional: minha cabeça esquenta com tantas informações sobre o mal do mundo. Parece que pouco de bom acontece.


Mas, eu sei. Ao meu redor, gente conhecida faz coisa boa. Tem gente amorosa ao meu redor. Este meu mundo, o mundo que tenho escolhido e vivo, cercado de pessoas diferentes de mim, pero semelhantes em boa vontade.


No meu cotidiano, alguém me conta algo sobre outro alguém. Para saber mais, tento saber do outro como foi. Saber dos vários pontos de vista facilita minha compreensão, minha tomada de posição.


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Na guerra morre gente. Hoje, mais ainda. Uma bomba moderna mata gente e mata mais. Mata a terra, mata plantas, animais. O mar vira sertão, o sertão queima, o deserto se enche d’água. A Terra pode acabar, se alguém soltar uma bomba destas. Montes Claros e Nova York não serão as mesmas, durante, depois de uma guerra assim.


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Meus medos me alertam. Quando sinto medo, me ouriço. Se preciso, escapo, não brigo. Aprendi com Cacilda Becker, “Não tenho tempo para lutar contra. Só a favor.”.

Mamãe dizia, “quando um não quer, dois não brigam”.


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Sinto, conflitos, guerras são escolhas pessoais. Que não vá pra guerra quem guerra não deseje.




 


 

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