sexta-feira, 21 de junho de 2024

96 escolhas de todo momento


 


96


...a sete palmos, quando sob o mármore,

calmo, calmo, calmo, espero, virarei árvore.


escolhas de todo momento


A História é a versão contada pelos vencedores. Outros contadores, outras Histórias. Assim, não tenho certeza do passado. Mesmo do meu, que ora lembro de um jeito, ora diferente. Pouco sei do presente. O mesmo fato – o que acontece aqui, agora – é percebido e narrado de tantas maneiras quantas são as narrações dos narradores.


Desconfio das minhas próprias percepções e narrações. Dependendo do meu estado de espírito, o que hoje conto, amanhã outra história. É que nem sempre compreendo o que vivo. Fantasio, desfoco, me perco. Mas, ô contradição, acredito em mim mesmo.


Do que me lembro, nada me faltou que me traumatizasse. Mesmo as sofridas, são queridas as lembranças da minha vida. Minha História está no meu corpo, é só apertar aqui e ali e desperta uma recordação. Assim, também, se amplio a respiração, lá vem emoção em mim guardada. Quase palpáveis, as sensações. Falamos a linguagem dos sentimentos. Coisa de doido, diriam. Mas eu sei, eu sinto e me recordo: talvez quem ache doido não sinta, não compreenda, nunca viveu a vida que vivo.


Um recreio, pra mamãe, regar o que plantava. Agora, entendo sua acalmada. E, lembranças misturadas – já devia estar em mim, eu intuía e não sabia que sabia – outro dia, inspirado, escrevi: a sete palmos, quando sob o mármore, calmo, calmo, calmo, espero, virarei árvore. Já quando pó, eu só, sem dó, alimento a planta que me suplanta.


Tenho pouca intimidade com a terra. Gosto de andar descalço, sem camisa, vestido de menino. A maciez da grama me alegra, como me alegra a terra nua, a pedra da calçada, a poeira da estrada, a fruta crua, a água fresca, o sol na cabeça. Moro agora meio no meio do mato, planta por todo lado, água deságua no corpo, bichos surpreendentes, beleza de natureza.


Aprendizado, viver aqui. Descomplico a antes complicada vida simples, simplifico os desejos e as tarefas. Adormeço quando vem o sono, desperto, levanto quando o sono vai. Como os frutos da temporada, escrevo quando dá vontade, torno realidade o que, antes, pro futuro desejava. Experimento. Queria me tornar escritor, escrevo já, testo a realização do meu desejo. Queria cozinhar a minha comida, arrisco, cozinho já. Tropeço, erro, aprendo, tudo aprendizado. Meu corpo tem me agradecido, a vida mais leve.


Eu era pobre e não sabia. Enricar, antes, era ganhar dinheiro, poupar, acumular. Agora, rico tem sido estar contente. Motivos não faltam, tanto pra me alegrar quanto pra me entristecer. Aprendo, devo escolher.


Imagino um palco enorme que me circunda. Neste palco, tudo acontece. Ali, um bebê que nasce. Acolá, um conflito, um confronto, uma morte, uma guerra. E, noutros espaços e tempos, uma cozinha fumegante, um gato que roça, um fruto maduro, uma conversa amiga, um telefone que toca, uma música no ar, um livro, um cuidado. Mais o que imagino e nem imagino, tudo real, coisa boa, coisa ruim, ódio, amor, ao mesmo tempo, aqui, agora. E eu a escolher o que vivo.


Quando atento, me olho cá dentro, aprendo trocar de pensamentos, aprendo cultivar os sentimentos. Vivo o que decido. Se foco nas desgraças, desgraçado de mim. Se foco nas graças, eu engraçado. Avalio o que vivo pelo meu humor. O humor, meu indicador. Se bem-humorado, sinto, estou no caminho certo. Se mal-humorado, me alerto, caminho errado.


Mas é tudo novidade, mesmo quando repetição. É que nunca vi repetição igual. Novidades e repetições. Pouco sei de mim, arrisco escrever sobre o que penso que sei. Evito falar dos outros, não vivo o que vivem, de outros nem pouco sei. Isto me evita conflitos. Detesto conflitos. “Não tenho tempo pra lutar contra. Só a favor.”.


Pensamentos me traem, a todo momento. Chegam aos montes, me disperso. Quero focar em minha respiração, quero me aproximar do que sinto e lá vêm pensamentos a me desviar.


Fujo da televisão, do rádio, do jornal, da revista. Difícil de lá vir algo que não me provoque angústias. Escolho eu mesmo o viver o que desejo viver nos palcos da minha vida. E aprendo fazer, quando desejo, o que está ao meu alcance. Tenho me guiado pelos sentimentos que cultivo. Procuro cuidar dos outros como gosto ser cuidado. Aquela sugestão dada por tantas religiões, amar ao próximo como a mim mesmo. Terno aprendizado.


Estas pequenas decisões que tomo a cada momento – quando estou atento – definem a vida que vivo. Se mergulho em notícia ruim, mal me sinto. Se tenho atitude amorosa, me sinto bem. Têm sido importantes pra mim estas escolhas do que como, leio, ouço, toco, falo, penso… e sinto.


Uma alegria, hoje, saber que posso escolher a vida que vivo. Alforria. Na calmaria, de repente um presente, portas, janelas, portais se abrem, outros mundos se apresentam. Plantas, animais, minerais, espiritualidade e mais. Talvez seja só imaginação passageira. Quando arrisco, aproveito estes momentos.


Outra alegria, sentir, saber possível, a cada um de todos nós – de acordo com seus desejos e dedicação – escolher, momento a momento, a vida que vive.






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