segunda-feira, 29 de julho de 2024

66 etéreo




66


Tenho acreditado mais na realidade que vivo

do que no noticiário. Sinto, cresço.

E me alegro mais ainda ao confirmar:

sou responsável pelo que vivo.


etéreo



Tem as coisas práticas, tem o inefável. Das coisas práticas, quando me movimento, faço o que desejo e está a meu alcance. Com o inefável, sonho e desejo. Sair do corpo, viver em estado alterado, abrir-me pro desconhecido.


*

Lembro de uma viagem com ácido lisérgico. Não tinha noção do que viveria. Um tempo paradisíaco, outro infernal. Vi o que nunca tinha visto, senti o que nunca tinha sentido. Até hoje, não consigo descrever os sentimentos. Como não consigo descrever o gosto do pequi pra quem nunca comeu pequi.


*

Lembro, também, anos depois, num encontro terapêutico, do meu pulsar. Ora ponto, ora infinito. Adeus tempo e espaço. Eu era um e era o todo. Eu era agora e antes e depois. E, na volta, os sentimentos ganharam sentidos. Perderam valores os dinheiros e mais. Ficou outra a Economia. Tive dificuldades em viver neste nosso mundo.


*

Mais recente, fui ver Dr. Fritz. Ali, em Sabará. Cheguei cedinho à fila, tipo 4 da matina, no Centro Espírita, no meio do mato. Recebi a senha 56. Às 8 horas, já quase mil pessoas atrás de mim. Fomos, os primeiros cem, encaminhados prum salão. Lá, na frente, uma mesa grande, calmos músicos cantavam calmas músicas. Volta e meia, alguém puxava uma oração, uma leitura. Eu, sentadinho, internamente critico, reclamava de mim mesmo: quequitô fazendo aqui, eita coisa chata.


Devo ter ampliado a respiração, como costumo fazer quando estou atento. De repente, de dentro de mim sobe um choro como nunca me lembro ter chorado. Choro de alegria, me entrego. E permaneço neste estado alterado o dia inteiro. Ainda, um tanto, agora, só de lembrar.


*

E me repito. Cultivo meu desejo de mudar meu próprio comportamento, em busca de sentido pra vida que vivo.


Entendi que vivo, mesmo, só o que percebo do que sinto. O sentimento que não percebo, não vivo.


Entendi, também, que meus sentimentos são frutos de pequenos atos que faço ou deixo de fazer. Assim, me descubro mais leve e alegre ao não ligar a tv. Tenho acreditado mais na realidade que vivo do que no noticiário. Sinto, cresço. E me alegro mais ainda ao confirmar: sou responsável pelo que vivo. E vivo, mesmo, somente o que percebo do que sinto.


*

Meus sentimentos dão sentidos às coisas práticas. Mais sentimentos, menos medicamentos. Os valores variam, conforme o que sinto. Sinto que há algo errado no meu país quando, por exemplo, uma consulta médica custa metade de um salário mínimo. Sinto que há algo errado em mim, quando mudo de calçada para evitar a troca de olhar com o mendigo lá acocorado.


Lembro de papai, de mamãe, cada um com seu jeito de ser cuidadoso consigo e com outros. Às vezes era uma cuia de farinha, de feijão. Outras, era uma conversa, uma escuta, um abraço, um olhar. Miro em seus exemplos.




 

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