segunda-feira, 8 de julho de 2024

82 preguiça



82


Pensei num manual de liberdade,

aquele que cabe a cada um escrever o seu.


preguiça



Aquele dia em que não quero fazer nada. Nada, nada, nada, nada. Uma preguiça de abrir o olho, cama que esparrama, agenda adiada, importância nenhuma, nada.


Sorte que a casa está arrumada, as contas pagas, fome longe, sol de rachar. Nem quero pensar. Pensei num manual de liberdade, aquele que cabe a cada um escrever o seu. O meu começa eu tomando pé do que sou, do que o mundo é. Do que quero e não quero. Do que posso, do que devo. E me perco, nesta cabeça quase vazia. Preguiça de pensar, preguiça de tudo.


*

Uma ponta de vontade, levanto, me equilibro e ando. Escolho lavar o rosto, espremer um limão, tomar com água. Traio minha preguiça, começo o dia, tudo novo, arrisco.


*

Rio agora do que ontem era problema. Preocupo hoje com o que amanhã será passado. Hoje, de natal, como presente, quero dentes. Também aquela energia que sentia quando alegria me invadia.


Ontem mesmo, revivi. Meu corpo balançou com os tambores, meu estado se alterou, vi o que antes não via. Agora tenho certeza, minha fé vem do que vivenciei, só eu sei. Como não sei da fé do outro, do que com o outro aconteceu. Eu não vivi o que viveu.


*

Remexo o baú de escritos. Relatos de emoções passadas. Releio, revivo. Trago pra cá, me divido, compartilho pedaços. Lá vão.


*

Cultura Pesada.

Todo prazer é pecado. A todo pecado, castigo. De cada castigo, medo, se pecador é consigo. Tristeza, remorso, culpa. O paraíso perdido.


Crente, clemente, confessa. Curva, ajoelha, reza. Seu amor próprio despreza. Volta a ser comedido.


*

Casamento.

Você sofre com o que sou, eu sofro com seu sentimento. Passamos a vida assim. Acolho seu lamento, você chora por mim.


Em mim censura o que, em você, não se aventura.


Passada a loucura, passada a paixão, não sou seu pai bom, nem minha a mãe pura. Loucura, tormento, suportável tortura. Anta, jumento, capenga procura.


Não lhe dou a segurança que me pede, não me dá o colo que imploro. Um muleta do outro – de repente – bodas de ouro.


*

Desemprego.

Não sei se insisto, se só respiro e despisto, se telefono aos amigos. Ou se, em casa, me curo. E, pelas ruas, alentado, novos empregos procuro.


Tudo atrasado. Impostos, luz, gás, net, dentista, analista. O dinheiro, onde jaz?


Almoço ali, cafezinho como um luxo. Belisco aqui, a tragada vem no fluxo. Ai, ui, ai. Quero mamãe, quero papai.


*

Depressão.

Contratos, distratos, reversos fazem com que à terra eu desça. Partes de meus universos confundem minha cabeça.


E, bem na moda atual, se a economia vai mal, se ultrapasso a fronteira e mais passo falso dou, adeus situação financeira. Profissional liberal, frila, do biscate, camelô, à mineira disfarçado, favelado já estou.


*

Sadomasoquismo.

O que me proíbo, em outros critico. Se não me permito, a outros inibo. Se não suporto o amor, se não suporto emoção, meu negócio é a dor. Vida mesmo não suporto.


Então, sofro e faço sofrer. Forte fraco, fraco forte, intenso falso prazer, a vida transmuda em morte.


*

Lembretes.

Meu corpo é um convite pro meu enterro. Minha razão, um acinte. Este meu erro.


Quando acordo, acorda a razão. Se adormeço, inconsciente visão. O que pro futuro planejo é o que, hoje, desejo.


Se deixo vagar minha mente, bem, se bem devagar, esqueço, desleixo, vago no ar.


*

Armaduras.

Tu me vês incoerente, te vejo rígida. Me vês inconsequente, te vejo impossível. Desejo o sim, não quero não. Beijo de língua, afagante mão.


Eus indiferentes, dois na solidão. Amantes à míngua, dupla de carentes, defesas, incompreensão.


*

Cara metade.

Corpo que conheço, saliva fria, gozar. Seu calor, pentelhos, movimentos, olhar.


Não creias, reconheço, erro meu, minha loucura. Bela, feia, inteligente, fria, quente, pura, impura. Te amo, te odeio, volto à mesma infartura, te desejo pelo meio.


*

Caseiro.

Prometo te dar uma flor. Prometo te dar amor. Prometo tudo, se pregares o botão da minha camisa, fizeres minha comida, curares minhas feridas, sustares tuas mordidas.


*

Eternos Momentos.

Adoro beijar teu ouvido, agradecer teu pedido. Dia não, noite sim, passas no meu coração. Enamorado, assim, pego na tua mão. O tempo passa, o tempo voa, eu à-toa.


*

Acima, passado. Talvez letras à procura de músicas. Difusas lembranças, mais pra bolero, choro, tristeza. Hoje, esperanças. Rock, reggae, forró, batidas que mexem comigo, espantam preguiças, tocam ali, reverberam aqui, me provocam movimento, alegria, dança.









 

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