domingo, 7 de julho de 2024

83 sucessos e desejos



83


Quando sou fã, vejo no ídolo

aquilo que tenho ou desejo em mim.


sucessos e desejos



Cultivo agora meu lado saudável, contorno culpas sem sentido. Mas estou gostando, e muito, acordar e escolher o que fazer. Cada decisão provoca decorrências… e assim defino o que viverei.


Vixe, que responsabilidade! Inda mais que por minha própria vida. Saudades de mamãe, saudades de papai que, sem eu saber, tomavam decisões por mim.


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Tenho estado do jeito que gosto. Aluguei por algum tempo meu apto… e pouso estes tempos noutro mundo, na casa da namorada, enamorado.


Vida simples, cozinho, arrumo a cama, lavo os pratos, escrevo um pouco, caminho um tanto, converso outro, caio n’água, como bem a boa comida orgânica. De tempos em tempos, vou à Umbanda, frequento templos, me sinto bem. Internet, o necessário. Tenho me satisfeito com minhas escolhas. Sinto, o que sinto vivo. E o que sinto e vivo é, um tantão, decorrência do que escolho.


Parecem bobagens estas minhas repetições, mas têm sido importantes pra mim, me animam e reanimam. Esta vida boa que vivo estimula meu desejo de vidas boas pra todos nós, bons dias todos dias.


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Agradeço a quem me possibilitou aposentar-me aos 65, depois de tantos anos nos trabalhos de todo dia.


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O sucesso, um azar. Quando sou fã, vejo no ídolo aquilo que tenho ou desejo em mim. Quando maior o sucesso, quanto mais fãs, mais gente que sente parecido. Imagino triste quem canta músicas tristes. Mais ainda o artista que repete esta tristeza vida afora. Como se preço do sucesso.


Há, também, o sucesso da alegria. Menor, talvez porque haja menos gente em estado de alegria no todo dia. Menos fãs, menos sucesso.


E, assim, melhor compreendo o mundo. Como alguém – que não suporte alegrias em si – suportaria alegrias em outros? Como alguém que não se permite estar bem acolherá o bem-estar de outros?


Mais fácil, parece, o sucesso da tristeza, da maledicência, do mal-estar. Mas, compensação, um tanto do que vivo depende das escolhas que faço.


Desconfio, talvez o sucesso seja só bem-estar. Rico mesmo é quem está contente. E consciente.


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Ao refletir, aprendo o sentir, o escutar, falar, o agir.


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Uma coisa é o desejo. Outra, sua realização. Nos sonhos, realizo o que desejo. Quando acordo, outra a realidade. Por exemplo – li algo assim, salvo engano, em Freud – quando como algo muito salgado antes de dormir. Durmo, sonho que bebo água. No sonho, mato a sede. Quando acordo, a sede permanece.


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Quando minha agenda vazia, acolho possibilidades, faço o que inesperava.


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Sou uma não-pessoa quando não sou visto. Como se vestisse uma capa que me torna invisível. Algo assim como ignorar aquele garçom ou aquela moça que varre o ambiente em que estou... e eu continuar a fazer o que fazia e não a vejo. Ou como o motorista de táxi ali, ao meu lado, invisível aos meus olhos, enquanto converso com o amigo companheiro de viagem. Ou como o pedinte, deitado na calçada. Passo ao lado e não o vejo, nem respondo a seu pedido.


Invisíveis, naqueles momentos, o pedinte, o garçom, a varredora, o motorista. Às vezes, sou eu o invisível, a não-pessoa. Quem não os viu, quem não me viu, perdeu. Quem não vi, perdi.


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Primeiro vieram os homens livres. Abolida a liberdade, escravos. Abolida a escravatura, surgiram as criadas, primeiras a acordar, últimas a dormir. Depois se tornaram empregadas, com folgas aos domingos. Se não assim, mudanças dependem um tanto de mim.


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Tudo no mundo, mistério profundo. A semente que vira árvore, a nuvem que agora é outra, o vento que sinto e não vejo, a água que infiltra e corre, a planta cheirosa e perfeita, a música que me emociona, o medo não sei de que, o frio, o calor, o pensamento que viaja e fixa, o sonho, a dor, o afeto, a montanha que soma poeiras, esta poeira-dança de pontinhos, estas partículas-átomos em movimentos, estes átomos a funcionarem como astros, este Terra-partícula da galáxia, esta galáxia quase-nada no universo, eu mesmo que nem sei quem sou.


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Volta e meia, nada faço e nada é necessário. Vislumbro rumos mais quando paro. Aí, então, desvio, outra minha direção. Infinitos caminhos deixados de lado, um só caminho escolhido.


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Doei uns seiscentos livros que me pediam leitores. Foram pra outras prateleiras coletivas. Ganhei alívio, um bem-estar.


Objetos me dão trabalho. Quantos menos tenho, mais livre me sinto.


Doei, também, aqueles jornais de 1836, com classificados que anunciavam compras-vendas-aluguéis-fugas de gente como a gente, negra na cor. Testemunhos de uma época que se repete doutro jeito. Outros gemidos, outras gentes, outras formas de escravidão na nossa frente, invisíveis a quem cerre os olhos, tape os ouvidos.


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Malva cheira bem. Ganhei uma folha. Seu perfume me traz lembranças. As lembranças, sentimentos.



 

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