sexta-feira, 5 de julho de 2024

85 primeiros passos

 





85


Pressinto, minha respiração alimenta a emoção que sinto.


primeiros passos



Parto.

Esquecido de tudo, escuro, morninho. Os sons quase mudos, sensação de carinho. Nove meses, em meu quarto, crescendo sozinho. Luzes, eu parto. Novo, zerinho. Alguém me enlaça, choro e chuto. Mamãe me abraça, me entrego, não luto.


De volta ao passado, desconhecido futuro, assim, espantado, hoje me encuco. Sou um presente, responsável inocente, em cima do muro. Num mundo confuso, nem claro nenscuro.


*

Gêmeos.

Lento na ação, rápido no pensamento. Esperanças no coração, sou um a cada momento.


Tonto, meio bobão, preso a cada lamento, alegro, choro, em vão. Sou um a cada momento.


Mergulho na criação, pego carona no vento. Ora razão, emoção, sou um a cada momento.


*

Escolha.

Lerdo, nem eu me quero. Certeza, incerteza, moleza, fraqueza, o vazio não intero. Sou muito e sou pouco. Forte, frágil, lerdo, ágil, meu amor é de um louco, minha vida um lero-lero.


Praia, mar, tesão, ajunta o sol, verão. Fico forte, querido, aberto a todo sentido.


*

Burocracia. Câncer.

Lá fora o sol, o vento. Chuva, movimento, terra. Aqui, limites, tormento, em papéis a vida se encerra.


Este meu porto, oito horas por dia. Como outros, torto, sem alma, sem alegria. Confinado me emperro, em meio à burocracia.


Horas, anos, um tempão. Sonho, aposentadoria. Enquanto espero, me enterro. Vida, trabalho, prisão.


*

Reflexos.

Se meus desejos expresso, vivo. Se guardo tudo, inconfesso, morro. Se vivo, muita emoção. Se morro, razão e razão.


Morto-vivo me disperso. Vivo, morro de remorsos. Morto, procuro seu colo. Vivo, me quero solo.


Se satisfeito comigo, olho o mundo, meu espelho. Insatisfeito, amigo, o mundo espelho, pentelho.


*

Risco.

Quando escolho o novo, experimento. Erro, aprendo, acerto, descanso, de novo tento.


*

Sempre.

Tudo, tudo novo, toda hora. Nada como antes, nem depois nem agora.


*

Emoções passadas, presentes. Mistura pura. Palavras despertam lembranças. Hoje, também, sei, a respiração varia, outro o dia a dia. Pressinto, minha respiração alimenta a emoção que sinto.


*

Como posso estar bem, neste mundo, do jeito que o mundo está sendo? Este meu desafio.


*

Dou primeiros passos neste reconhecimento de mim mesmo quando me ligo no que faço. Mais passos dou quando percebo resultados do que fiz, do que faço a outros, do que me faço.


O primeiro dos primeiros passos – quando consigo – tem sido me dar de presente a atenção no presente… me ligar no que sinto, penso, percebo.


Tateio. Difícil viver o presente, permanecer no presente. Ora o passado presente, ora presente o desejo futuro. Tento, erro, acerto, experimento, ta-ti-bi-ta-te.


*

O mundo se amplia. Sou grato a Lupicínio Rodrigues pelo toque, na sua música Felicidade… Algo como “E o pensamento parece uma coisa à toa, mas como a gente voa quando começa a pensar“.


Ah! O pensamento. Certeza, não tenho. Mas, do que percebo em mim, desconfio. O que penso me provoca sentimentos. Penso em guerras, violências, injustiças… e sinto raiva, tristeza. Lembro daquela cachoeira, daquele carinho, daquela fraternidade… e sinto alegria, o amor me invade.


Além dos pensamentos, também me provocam sentimentos o que vejo, toco, ouço, cheiro, ingiro.


*

Cientista de mim mesmo, pouco a pouco descubro, sou um tanto responsável pelo que sinto, vivo e sou. Comprovo em mim. Se como comida pesada, pesado fico, pesado me sinto. Se à noite, pesadelos na certa.


Se, pra me desligar, ligo o rádio, a tv – sejam puras ficção, realidade ou suas misturas – é batata, os sentimentos que me afloram são frutos semelhantes ao que ouço e vejo.


Se toco no fogo, sinto dor. Se toco a pele de quem amo, desperto prazer. Se ouço música triste, triste fico. Se alegre a música, alegria em mim.


Minha vida, assim, tem sido definida por minhas escolhas. Mesmo que eu não tenha consciência do que escolho. Se não me cuido, me submeto ao que me faz mal.


Mas se aprendo e fico atento, obá, abro possibilidades de bem viver. Mesmo assim, que seu sapato não sirva pra mim. Nem que o que sirva pra mim não sirva pra você.


Descubro, também, cada ato, cada coisa que faço nunca fiz antes. É novo. Em cada garfada, outro gosto. Tudo tem sido novidade, mesmo o que parece repetição.


*

Falo tanto de mim, um tanto por me sentir bem ao compartilhar o bem que sinto. Cabe a quem deseje, bem a todos nos fazer no que bem sabe. Tanto me repito que acredito e tento.






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