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Só amo outro quando amo a mim.
Só dou o que tenho.
juntomisturado
Cinema e vídeo
Na década de 70, operário de cinema, exerci funções variadas. Como voluntário, no escritório dos Barreto, atento ao tudo novo, bolei e pratiquei controles administrativos. Depois, em Perdida, de Carlos Alberto Prates Correia, aprendi direção de produção. Generoso, Carlos Alberto abriu portas e janelas. Pratiquei assistência de montagem com Amauri Alves e Eduardo Escorel, no Guerra Conjugal, de Joaquim Pedro. Cada corte, muito trabalho manual.
Frequentei anos a Mapa, produtora de Zelito Viana, desde os tempos da Urca. Na Embrafilme fiquei à disposição de Roberto Farias e, no setor de rádio e televisão, sob o olhar da Martha Alencar, dirigi – hoje sei, sem estar preparado – o Coisas Nossas, programa com exibição de documentários veiculado pela TVE. Lá, no Setor de Rádio e Televisão, por um ou poucos dias, fui assistente de som do Jorge Amado, documentário de Glauber Rocha. Participei ainda da sua montagem, também como assistente. Glauber chegava, orientava Carlos Cox – o montador – e voltava depois.
Os neurônios da memória saltitam. Fiquei sem voz ao dar de cara com Caetano no corredor. E, outro dia, tão fã, em vez de me aproximar de Gil, fotografei.
Tive uma câmera VHS, daquelas ligadas por um fio à unidade de gravação. Minhas mãos eram muitas para – simploriamente, apaixonadamente, inocentemente? – produzir e gravar o que me atraia. Cenas familiares, movimentos e, no campo psi, vivências, simpósios, depoimentos, entrevistas.
Com dinheiro curto, me limitei ao possível. Utilizava copiões – cópias para trabalho, feitas a partir das fitas originais – para assistir repetidamente o que havia gravado. Selecionava, roteirizava. Alguns documentários ficaram prontos. E suas cópias, feitas por empresas especializadas. A capa, embalagem, distribuição, presenteios e vendas, mão-a-mão apoiado por amigos. Um tanto assim por alguns anos.
Sempre me propus conteúdos atemporais. Compreendi que qualidades técnicas contemporâneas estavam fora do meu alcance. As formas, as mais simples. Câmera na mão ou fixa. Cortes secos, fades out e in.
Comprei uma Canon 16mm. Roubada quando emprestada, no local da filmagem, fui ressarcido em prestações mensais. De outra vez pedi a um amigo que estava vendendo sua própria câmera que também vendesse a minha SHVS. Um comprador se interessou, propôs depositar o valor. Voltou com o recibo do banco, levou a câmera. O cheque depositado era roubado… Sonhos interrompidos.
Tempo passado, mergulho na terapia comunitária. Horas e horas de gravação, agora com uma HDV Canon pequeninha, sugerida pelo Elizeu Ewald, pioneiro no saber de tecnologias virtuais.
*
Medos semelhantes aos de trinta anos atrás se aproximam de mim. Mas aprendi que prazos me angustiam… e já não me imponho datas nem sociedades. Está quase se tornando um prazer, o fazer. Aprendo.
*
Junto e misturado, desconfio que estou amando quando desejo para o outro o que, lá no meu profundo, desejo pra mim. Se é assim o amor, meu amor é nosso amor.
Meu amor é como um reflexo. Sou espelho do que recebo e percebo. Sou amado pelo que ofereço. Talvez eu saiba o que o amor não é. Não possuo nem sou possuído. Não limito nem sou limitado.
Meu amor não é excludente. Amo um e uma e amo outros. Amo a mim, amo aqueles que desejam pra mim o que desejam – lá nos seus profundos – pra si mesmos.
Só amo outro quando amo a mim. Só dou o que tenho.
*
Anos depois, leio Contardo Caligaris e me identifico:
“Eu não tenho ciúme. Se alguém que eu amo me deixa por outro, eu me desespero como todo mundo. Mas se alguém que eu amo, sei lá, está viajando, continua me amando, mas tem a oportunidade de se divertir com outro parceiro por um par de dias ou de semanas, eu fico feliz por ela.”.
*
Pergunta que, sei, só devo fazer ao espelho: que você quer que eu queira, para eu querer?
*
Alguém já disse que o escultor, pra realizar sua obra, vai retirando do objeto bruto o que está em excesso. Constrói pela retirada.
Disseram também que escrever é cortar palavras. Tentei. E foram tantos cortes que a prosa tomou forma de poesia. Assim nasceu meu segundo livro, O Que Me Toca Fica.
A poesia, cortada, virou o que? Haicai? Mas, se enxuto, este que imagino haicai, sobra o silêncio.
Agora tento de novo, cortando bem menos, na esperança que cada leitor edite. Assim como acontece comigo, fico, de cada leitura, somente com o que me toca.
O que posso me dizer? Quanto mais maduro, melhor me sinto. Sou centro do meu universo. A vida é um fluxo variado. Cuido de mim. Meu humor é um indicador. Quanto mais faço o que quero, melhor pra todos. Ando cheio de sabedoria. Quando tropeço, duvido. Se atento, aprendo. Desatento, tropeço de novo…
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