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O clima de agora já é diferente do início. Os olhares são mais ternos. Há algo como solidariedade no ar. Somos vários, como se fôssemos também um.
terapia comunitária
Pela manhã, há anos. Um dia como outro. Esta semana enviei convites virtuais pra todos que estão no catálogo do meu email Yahoo. Terapia Comunitária quase todas as sextas. Michel, com quem faço dupla normalmente, está fazendo oficinas do Rio Abierto na Rússia. Levanto cedinho, pernas pra cima, saudação ao sol, no caminho compro tangerinas, tomo café com leite, pão com manteiga.
No espaço parceiro – o Centro de Movimento Deborah Colker – duas moças já chegaram. Vamos pra sala, conversamos um pouco, falo das redes comunitárias, do sempre presente emocional como pano de fundo, dos encontros METS – Movimento Emocional e Transformação Social, da dica da Maria Teresa Maldonado sobre Adalberto de Paula Barreto e a metodologia que ele construiu.
Outras pessoas chegam, já somos sete, mais um pouco, oito, a roda se amplia. O cheiro da fruta, os tons amenos das vozes, o sentarmos no chão, cada detalhe contribui um tanto pra estarmos à vontade. Chegam mais duas e são acolhidas.
Quem deseja propor uma brincadeira leve, rápida? Um fala o próprio nome e o nome de outro que conhece e está na roda. O que foi nomeado fala seu próprio nome, diz quem o nomeou anteriormente e acrescenta o nome de outro que também está na roda. E assim por diante, sempre repetindo todos os nomes já falados e acrescentando outro.
Um esquecimento aqui, uma ajuda ali, todos ou quase todos memorizaram os nomes de todos ou quase. Antes, houve consenso, não precisávamos saber o que cada um faz, de onde veio. Estávamos à procura de quem somos.
Alguém se lembra das combinações da Terapia? Falar a partir da própria vivência, a partir do Eu. Não vale julgar nem dar conselhos. É um espaço para compartilhar questões que afligem ou alegram cada um.
É um espaço de escuta – um fala de cada vez, outros escutam. Se alguém se lembra de uma música – ou provérbio, ou causo ou piada – pede licença e apresenta… Podemos combinar assim? Se um de nós se esquece do combinado, lembraremos…
Aqui, talvez não seja um lugar para segredos: segredos não compartilhamos. Consideramos segredo como algo que, falado aqui e sabido lá fora, possa trazer incômodos a qualquer um. Mas este critério é de cada um. Cada um é quem escolhe o que deseja compartilhar.
Imagino que outros, como eu, se acalmam ao tomarem antecipadamente conhecimento da pauta. Todos confirmam, querem saber. Sintetizo a sequência, prevejo o tempo que estaremos aqui. E início a próxima fase: quem deseja compartilhar algum incômodo ou alguma alegria?
Uma mulher compartilha. Aposentou-se há dois meses, está em processo de busca de satisfação maior no viver... Anoto, sintetizo o que compreendi e lhe pergunto se esta síntese traduz o seu sentimento. Depois de duas ou três tentativas, chegamos à síntese: o que vou fazer agora de minha vida?
Cada um de cada vez, os que desejam, fala um tanto do que lhe incomoda e, com o auxílio de um ou outro, constrói uma síntese da sua questão. Outra mulher se pergunta como praticar sua teoria. E o resumo: angústia pela procura de satisfação em minha vida.
E mais outra fala do medo de sair da zona de conforto e ser feliz com coisas novas. Alguém, 45 anos, filha mais velha dos seis filhos, única solteira e que permanece em casa: sofro com a dificuldade de relacionamento com minha mãe. Os rostos e movimentos à volta expressam identificações.
Outra se expõe: não consigo não atender às necessidades da minha mãe. E mais outra: como preservar meu espaço, tendo que agora cuidar da minha mãe?
Agora, abrimos espaço para identificações. Quem deseja, sinteticamente, fala da sua identificação com qual questão, por quê.
Entramos na fase da escolha do tema que juntos cuidaremos. Cada um pode votar somente uma vez. O tema escolhido será aquele com quem mais de nós se identificar – e votar – neste momento.
Relembro todas as sínteses das questões apresentadas. Você pode votar em qualquer tema, inclusive o que você própria apresentou. E repito um a um, para votação.
O tema é escolhido: sofro com a dificuldade de relacionamento com minha mãe.
Agradecemos àqueles que expuseram seus sofrimentos, lembramos que o tema escolhido não é mais importante que os outros: é o que mais pessoas presentes desejam conversar sobre. Os que apresentaram outros temas, se desejarem, poderão reapresentá-los nas próximas rodas. Acrescentamos que estamos disponíveis para conversas individuais, logo após o presente encontro.
Pedimos então a quem nos trouxe o tema escolhido que contextualize, nos conte mais sobre seu sofrimento. E ela detalha, focada em seus próprios sentimentos.
Perguntas são feitas, em tentativas de despertar, em nós todos, compreensões mais profundas. Sua emoção estimula que nos aproximemos, fechando bem a roda. Alguém sugere e, abraçados, balançando, cantamos juntos uma cantiga de mãe, e mais uma.
Pedimos a quem está na berlinda para, agora, atenta e em silêncio, escutar o que todos nós outros vamos conversar.
Lançamos uma pergunta-chave, procurando ampliar o tema: quem de nós sentiu dificuldades em relacionamentos com pessoas próximas… e pode contribuir expondo o que aprendeu desta vivência?
Uma participante conta sua história, suas dificuldades com a mãe, as transformações do relacionamento após conversas sinceras, o alívio. Outra da roda fala de si, da mãe solteira em ambiente religioso conservador, do casamento necessário, do padrasto bruto, de sentir-se ameaçada por abuso, de não se sentir amada pela mãe, da sua própria dificuldade em conversar com ela e das mudanças positivas no relacionamento que ocorreram a partir da saída da casa materna. E como esta nova situação facilitou aproximações e reconhecimentos.
Mais alguém relata a satisfação da mãe, de origem humilde, com a formação universitária da filha, ao mesmo tempo em que ainda a via como a garota de quinze anos que andava com ela de braços dados. Fala das diferenças e dos transtornos. E de como as conversas francas facilitaram o aprofundamento das suas relações. E uma mulher fala do que viveu e aprendeu.
O clima de agora já é diferente do início. Os olhares são mais ternos. Há algo como solidariedade no ar. Somos vários, como se fôssemos também um.
Levantamos e, à pergunta que estou levando daqui?, como respostas, uma fala do sentimento de solidariedade, outra de amor, outro de algum alívio de culpa, e mais outra de como se sente bem em estar aqui…
Alguém inicia a canção de Chico César… a minha mãe, é mãe solteira… mamadeira, todo dia… trabalha como empacotadeira, nas Casas Bahia. O ritmo chega aos corpos, uma ciranda é lembrada, dançamos em roda… e com calma nos despedimos, cada um de uma e outro.
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