domingo, 20 de outubro de 2024

15 vários eus




15


Talvez, lá no fundo,

os medos sejam as origens dos controles.

Lembro, me relembro, controlo quando desconfio.


vários eus


2017

Há perguntas que faço a mim e só eu mesmo posso responder. Mesmo que ouça respostas me dadas por outros. Por exemplo, que faço da minha vida?


Aprendo, a cada vez que amplio: a respiração varia, outro o dia a dia. Percebo: a lei surge, o homem burla, a lei já era. Não adianta legislação, se má intenção impera.

Desconfio: em mim censura o que, em você, não se aventura. E, ao mesmo tempo, sei, estou rico. Sinto afeto em cada canto que brinco.


Mas, que bom, o que aprendo, fica. Mesmo que me esqueça.


Antes, em algum momento

Pedaço do mundo. Outra noite, encontrei uma moça a chorar de dor. Está com medo de caminhar sozinha. Relata que alguém tapou sua boca, tentou estuprá-la. Ao reagir, levou um paralelepípedo na cabeça, dói e dói. Quer ir ao pronto-socorro, quer fazer queixa à polícia. Não sabe escrever nem ler.


Caminhamos de quase Parque Guinle até o Largo do Machado. Só consegui escutar e oferecer o da condução. Inda nervosa, inda com medo, toma o ônibus pro hospital. Um tanto de sua tristeza e impotência ficam comigo. Negra, pobre, gorda, catarro e tosse, lágrimas, tristeza, raiva e rua como residência.


Relembro pra não me esquecer

Aquela do professor amigo – que você quer que eu queira pr’eu querer? toda vez que me lembro dela, lembro de meus momentos de submissão. Hoje sei que é uma pergunta que só devo fazer ao espelho.


Do que entendi de Freud, sonho com o desejo realizado. Em Interpretação dos Sonhos, ele fala de que, quando à noite come azeitonas ou algo salgado, vem sede durante o sono e tende a sonhar tomando algo que supra a sede que de fato sente. Quando acorda, acorda com sede. Mas sonha suprindo a sede, realizando, no sonho, o desejo.


A comunicação se dá quando o outro compreende o que falo. Alguém já disse algo como “a comunicação se dá quando o outro entende”.


As coisas me têm, mesmo que eu tenha as coisas. Se tenho um carro, um trabalho para mantê-lo. Se dois, mais trabalho. Se tenho um computador, devo limpá-lo, espaná-lo. Ou trabalho eu ou quem eu trate para trabalhar por mim.


Ah, se eliminássemos os controles do mundo, quanto trabalho a menos, quantos recursos liberados. Talvez, lá no fundo, os medos sejam as origens dos controles. Lembro, me relembro, controlo quando desconfio.


Aqui escolhas constantes

entre prazer e dor. Treino esboço de sorriso, arrisco o palco que desejo. Tropeço, volto pro espelho, reclamo de mim mesmo. Como num bolero, dois pra frente, um pra trás. Não me lembro quem me lembra: seja o mundo que você quer.


Outros eus

No viver minha vida construo minha visão de mundo, que se transforma de acordo com o que vivencio. Tem gente que sente que o mundo lhe deve. Acumula. Tem gente que sente que deve ao mundo, se sacrifica. Tem gente que o mundo e o eu são um só. Compartilha com o outro que é eu. Ora é um, ora é outro. Como eu, às vezes, ora sou um, ora outros.




 

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