segunda-feira, 3 de julho de 2017

Afetos - uma vida incomum como qualquer um 48

    



uma vida incomum como qualquer um 48

Afetos
Passado. Lembranças de alguns dias

1
Tiro por mim. Demoro anos para modificar algo que me facilite ampliar minha zona de conforto. Alterações de comportamento, os mais velhos sabem, demoram uma geração ou mais. Mas vale a pena plantar o que me faz bem e a outros, acompanhar o crescimento, usufruir dos frutos.

2
O Jornal do Commercio, de 17 de dezembro de 1836, anuncia:

Comprão-se escravos com officios e sem elles, escravas com prendas e sem ellas, tanto para a Cidade como para fora; na rua detraz do Hospicio n. 81.

Vende-se huma preta com huma cria de 3 mezes, muito carinhosa para crianças, e com leite; e hum preto da roça, sabendo fazer farinha e derrubar mato, e o mais serviço, de 23 annos, muito robusto; no Campo da Honra, lado da Rua do Conde n. 63.

Vende-se um preto padeiro, na rua do Sabão n. 118.

Precisa-se alugar hum bom cozinheiro, no hotel de Johnston; na rua do Ouvidor n. 215.

Aluga-se na rua do Lavradio n. 90, huma preta boa ama de leite.Vende-se huma preta de nação, que engomma, cozinha e lava, tudo com perfeição, e cose alguma cousa; na rua de S. Pedro n. 183.

Vende-se um moleque de 16 a 18 annos de idade; na praia dos Mineiros n. 79.

3
É comum eu sair de encontros com mais dúvidas do que no início.

4
Mamãe dizia: quando um não quer, dois não brigam. Contribuiu pr’eu ser assim, pacifista como penso que sou. Antes, apanhei muito, nesta de não entrar na briga. De não querer, querendo?

5
As gargalhadas de papai soam dentro de mim até hoje. E sua solicitude, senso ético, bom humor. Era pródigo, deu muito do que tinha. Não sabia, do que sei, fazer um café, fritar um ovo. Mas comia bem, era um bom garfo. Numa época, cada garfada uma pimenta malagueta.

Gostava de fazendas, bois, de vacas. E de mulas, éguas, cavalos. Muito mais de mulher. Imagino que um bom amante, tão delicado com elas, eu imagino. Lembro de papai, me alegro. Sou um tanto ele.

Sou um tanto também mamãe, que pegou as rédeas da casa quando eu era inda pequenininho. Mamãe gostava de conversar. Articulava bem. Não me lembro de mamãe com abraços. Lembro dos chás, das gemadas que me curavam nas minhas febres. E das decisões decididas. Se enternecia com uma serenata, com uma mesa farta, marido e filhos servindo-se, supridos de falas e comidas.

Meu irmão morreu cedo, aos 41, 42. Era o mais velho de nós cinco. Inteligente pra caramba, primeiro lugar até o fim do científico. Depois, oito anos pra fazer um curso de engenharia que pedia quatro. Divertiu pra valer em Ouro Preto. Jogava sinuca, ganhava com frequência. Quando já empregado na CBA, subiu rápido pra chefia de departamento. Enviava uma boa parte – acho que um quarto – do seu salário pra mim, quando eu estudava em Brasília e ainda não trabalhava. Lembro dele me levar junto pra peladas da infância: primeiro pras peladas de futebol, depois pras peladas da zona. Era puro amor fraternal e eu não sabia. Dá saudades.

Stella me antecedeu na chegada ao mundo. Lina veio antes de Stella, depois de João Porphírio. E Heloisa Helena se juntou a nós depois de mim. João foi pra fora, pra universidade, quando eu tinha 11 anos. Só nos vimos esporadicamente por uns tempos. Convivi com Lina, Stella, Ló diariamente até meus 16 anos, quando fui fazer o segundo ano do científico em Belo Horizonte. Voltei, fiz o terceiro em Montes Claros. E aos 18 anos fui pra Brasília, fazer Economia, que até hoje não sei direito o que é.

Novinho, eu queria ir junto com os mais velhos pros bailes que não podia. Mas tive um bom período de festas, descoberta de outros mundos, logo adolesci. Tinha hora pra voltar, no início. Depois os tempos se alargaram.

A visão de mundo de mamãe facilitou nossa vida familiar. Avançada pro seu tempo, moças e moços tinham os mesmos direitos em casa. E cada um tinha seus deveres. Aos sábados eu engraxava os sapatos, Eventualmente ajudava a encerar a casa. Mas não só.

Tive um berço bom, sinto-me amado. Stella, Lina, Ló, permanecemos amigos durante nossa vida. Temos sido solidários. É prazeroso nos encontrarmos. Conversamos de um tudo, recordamos, nos atualizamos, jogamos buraco, comemos, passeamos. Aprendemos desde cedo o respeito pelo jeito de ser de cada um. Me sinto em casa em suas casas, tenho gosto. São portos afetivos.

De Vera com João, veio Roberta. De Magda com João, nasceram Ludmila e Rodrigo Luiz. De Lina e Paulo vieram Paulinho, Cláudia e Juliana. De Stella e Alceu, Marina e Lucas. De Ló e Carlos Alberto, Pedro Gustavo, Ana Julieta, Maria Elisa e João Luiz. De Ana comigo, Felipe. Com Vânia, tivemos Pedro. Regina e eu nos cultivamos. Antes, com Ricardo, Regina teve Gabriela, André, Rafael. Cláudia e Iesus tiveram Iesinho e Larissa. Heitor e Heloisa nasceram de Clarice e Paulinho. Roberta e Laércio tiveram Clara, Heloisa e João. Leonice e Rodrigo Luiz tiveram Guilherme e Bárbara. Juliana e Marcelo tiveram Luiza. Felipe casou com Vanessa, Marina casou com Carlinhos, Gabriela casou com Bruno, André noiva Amanda, Rafael namora Cássia. Iesinho está com Zhairah. Pedro namora Irene, Lucas namora Isabela, João Luiz namora Elena, Lili namora Pedro Henrique. Cada um do seu jeito. Uns ou outras talvez tenham amores que não conheço.


Luiz Fernando Sarmento





















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