outro
Imagino
alguém, diferente de mim. Dito esperto, lucra muito. Talvez pense e fale um
tanto assim:
“Falo
das qualidades do produto, desperto seu desejo. Omito quanto ganharei de você
pelo que agora lhe vendo. Sou esperto, mais ainda porque lucro muito. E você
ainda me valoriza pelo que acumulo. Deseja ser rico como eu.
Já
nem preciso de tanto. Gasto muito de mim na conservação do que estoco. Nem tenho
prestado atenção nestas contradições que o excesso me provoca. Ser rico dá
trabalho. Fico de olho em outros que agirão como eu se tiverem oportunidade.
Gente que volta e meia muda as regras. Ou transgride.
Eu
mesmo tomo minhas providências, quando a lei não é suficiente. Não tenho muitas
dúvidas. Insônia, gastrite, hipertensão, estas dores é que me atrapalham. E os
pesadelos, os sobressaltos? Não tenho podido usufruir do que possuo.
Tanta
gente próxima pelo que tenho, que já nem sei quem me ama pelo que sou. Minha
prática em mentir nos negócios é que me protege um pouco: reconheço logo quem
também mente. Mas não tenho amado, desaprendi reconhecer quem me ama.
Tem
também estas coisas que acontecem e não entendo. Lembro uns pedaços do que
sonhei esta noite. Uma mistura de quente e frio, vendavais, maremotos,
calmarias. Túneis, desertos. Névoas e sol a pino. Ora era eu o ator, ora
desconhecidos. Minha mulher me disse que suei, gritei, chorei e ri. Tinha pela
frente uma encruzilhada quando acordei com o toque dela. Ficou esta dúvida do que
fazer com minha vida. Ai que saudades de minha inocência. “
Pra ler no
banheiro
Algumas respostas estão nas perguntas. Algumas perguntas já
trazem respostas.
Não consigo responder: o acúmulo, pra quê?
Não pessoa sou eu, quando passo e nem
me veem. Não pessoa é o outro, invisível aos meus olhos.
Sou muito novo pra ser velho.
Admito, outra gente sente diferente do que sinto. Ao pio
sofrimento da dor, prefiro o arrepio do amor.
Sou conservador. Conservo o que me faz bem. Mas, antes de ser
ou não ser, em cada momento, estar ou não estar.
Recreio: a massagem é a mensagem.
Se estou bem e faço mal a ninguém, que
mal que tem...
O que ofereço, o que procuro, no que
me toca neste mundo?
Minha fortuna, meu infortúnio. Meu prisioneiro, minha prisão.
O que possuo me possui.
Gentileza gera gentileza. E, quando não gera, é que o outro
inda não sabe da beleza.
Quem se conhece jamais se esquece.
Quando quero trazer a criança que sou
pra perto de mim, faço com a boca assim: brrruuummmm, brruuummmmm,
brrruuurmmmm...
Quando quero trazer o adolescente que
sou pra perto de mim, bamboleio os quadris,
fecho os olhos e beijo.
Irresponsabilidade, saber e não ser.
Escolha de todo dia, escolha de toda
hora, alegria em viver, agora.
Luiz
Fernando Sarmento
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