uma vida incomum como qualquer um 36
terapia
comunitária
Pela manhã, há anos. Outro dia, um como
outro. Esta semana enviei convites virtuais pra todos que estão no catálogo do
meu email Yahoo. Terapia Comunitária quase todas as sextas. Michel, com
quem faço dupla normalmente, está fazendo oficinas do Rio Abierto na
Rússia. Levanto cedinho, pernas pra cima, saudação ao sol, no caminho compro
tangerinas, tomo café com leite, pão com manteiga.
No espaço parceiro – o Centro de Movimento Deborah
Colker – duas moças já chegaram. Vamos pra sala, conversamos um pouco, falo das
redes comunitárias, do sempre presente emocional como pano de fundo, dos
encontros METS – Movimento Emocional e Transformação Social –, da dica da Maria
Teresa Maldonado sobre Adalberto e a metodologia que construiu.
Outras pessoas chegam, já somos sete, mais um pouco,
oito, a roda se amplia. O cheiro da fruta, os tons amenos das vozes, o
sentarmos no chão, cada detalhe contribui um tanto pra estarmos à vontade. Chegam
mais duas e são acolhidas.
Quem deseja propor uma brincadeira leve, rápida? Um fala o próprio nome e o nome de outro que conhece e está na roda. O
que foi nomeado fala seu próprio nome, diz quem o nomeou anteriormente e
acrescenta o nome de outro que também está na roda. E assim por diante, sempre
repetindo todos os nomes já falados e acrescentando outro.
Um esquecimento aqui, uma ajuda ali, todos ou quase
todos memorizaram os nomes de todos ou quase. Antes, houve consenso, não
precisávamos saber o que cada um faz, de onde veio. Estávamos à procura do que
somos.
Alguém se lembra das combinações da Terapia? Falar a partir da própria vivência, a partir do Eu. Não vale julgar
nem dar conselhos. É um espaço para compartilhar questões que afligem ou alegram
cada um.
É um espaço de escuta – um fala de cada vez, outros
escutam. Se alguém se lembra de uma música – ou provérbio, ou causo ou piada –
pede licença e apresenta... Podemos combinar assim? Se um de nós se esquece
do combinado, lembraremos...
Aqui, talvez não seja um lugar para segredos: segredos
não compartilhamos. Consideramos segredo como algo que, falado aqui e sabido lá
fora, possa trazer algum incômodos a qualquer um. Mas este critério é de cada
um. Cada um é quem escolhe o que deseja compartilhar.
Imagino que outros, como eu, se acalmam ao tomarem antecipadamente
conhecimento da pauta. Todos confirmam, querem saber. Sintetizo a sequência, prevejo
o tempo que estaremos aqui. E início a próxima fase: Quem deseja
compartilhar algum incômodo ou alguma alegria?
Uma mulher compartilha. Aposentou-se há dois meses,
está em processo de busca de satisfação maior no viver... Anoto, sintetizo o
que compreendi e lhe pergunto se esta síntese traduz o seu sentimento. Depois
de duas ou três tentativas, chegamos: O que vou fazer agora de minha vida?
Cada um de cada vez, os que desejam, fala um tanto
do que lhe incomoda e, com o auxílio de um ou outro, constrói uma síntese da
sua questão. Outra mulher se pergunta como praticar sua teoria. E o resumo: Angústia
pela procura de satisfação em minha vida.
E mais outra fala do Medo de sair da zona de
conforto e ser feliz com coisas novas. Alguém, 45 anos, filha mais velha
dos seis filhos, única solteira e que permanece em casa: Sofro com a
dificuldade de relacionamento com minha mãe. Os rostos e movimentos à volta
expressam identificações.
Outra se expõe: Não consigo não atender às
necessidades da minha mãe. E mais outra: Como preservar meu espaço,
tendo que agora cuidar da minha mãe?
Agora, abrimos espaço
para identificações. Quem deseja, fala, sinteticamente, fala da sua
identificação com qual questão porque.
Entramos na fase da escolha do tema que juntos cuidaremos.
Cada um pode votar somente uma vez. O tema escolhido será aquele com quem mais de
nós se identificar – e votar – neste momento.
Relembro todas as sínteses das questões
apresentadas. Você pode votar em qualquer tema, inclusive o que você própria
apresentou. E repito um a um, para votação.
O tema é escolhido: Sofro com a dificuldade de relacionamento
com minha mãe.
Agradecemos àquelas que expuseram seus sofrimentos, lembramos
que, se desejarem, poderão reapresentá-los nas próximas rodas. E que estamos disponíveis
para conversas individuais, logo após o presente encontro.
Pedimos então a quem nos trouxe o tema escolhido que
nos conte mais sobre seu sofrimento. E ela detalha, focada em seus próprios
sentimentos.
Perguntas são feitas, em tentativas de despertar, em
nós todos, compreensões mais profundas. Sua emoção estimula que nos
aproximemos, fechando bem a roda. Alguém sugere e, abraçados, balançando, cantamos
juntos uma cantiga de mãe, e mais uma.
Lançamos uma pergunta-chave, procurando ampliar o tema:
Quem de nós sentiu dificuldades em relacionamentos com pessoas próximas... e
pode contribuir expondo o que aprendeu desta vivência?
Uma participante conta sua história, suas
dificuldades com a mãe, as transformações do relacionamento após conversas sinceras,
o alívio. Outra da roda fala de si, da mãe solteira em ambiente religioso
conservador, do casamento necessário, do padrasto bruto, de sentir-se ameaçada por
abuso, de não sentir-se amada pela mãe, da sua própria dificuldade em conversar
com ela e das mudanças positivas no relacionamento que ocorreram a partir da
saída da casa materna. E como esta nova situação facilitou aproximações e
reconhecimentos.
Mais alguém relata a satisfação da mãe, de origem humilde,
com a formação universitária da filha, ao mesmo tempo em que ainda a via como a
garota de quinze anos que andava com ela de braços dados. Fala das diferenças e
dos transtornos. E de como as conversas francas facilitaram o aprofundamento das
suas relações. E uma mulher fala do que viveu e aprendeu.
O clima de agora já é diferente do início. Os
olhares são mais ternos. Há algo como solidariedade no ar. Somos vários, como
se fôssemos também um.
Levantamos e, à pergunta Que estou levando daqui?,
uma fala do sentimento de solidariedade, outra de amor, outro de algum alívio
de culpa, e mais outra de como se sente bem em estar aqui...
Alguém inicia A minha mãe, é mãe solteira... mamadeira,
todo dia... trabalha como empacotadeira, nas Casas Bahia. O ritmo chega aos
corpos, uma ciranda é lembrada, dançamos em roda... e com calma nos despedimos,
cada um de um e outro.
Luiz
Fernando Sarmento
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