Tudo mutável
Cheguei em Brasília em 1965, menos de um ano após o golpe
militar. Lembro – a memória pode ser falha – duzentos e tantos professores foram
mandados embora da Universidade de Brasília. Uma greve longa já no primeiro ano
de faculdade. Morei em casa pública ocupada por nós estudantes.
Um mundo novo, esta cidade nova, com gente de todos os lugares.
Uma vida juvenil, agitada. Zona boêmia só fora do Distrito Federal, era a lei.
Um passo além da fronteira, uma pequena vila com prostitutas. Na minha solidão,
uma garrafa de Martini debaixo do braço, em finais de semana, numa aventura, pé
na estrada, pegava caronas. Lá quase implorava pelos favores gratuitos de quem
vendia o prazer. Quando acolhido, um paraíso neste oásis de solidão.
Joguei o que não tinha, perdia minhas mesadas mensalmente no
carteado. Só trinta anos passados vim saber que talvez houvesse roubo no jogo. Parei
quando, pra pagar o que perdi e não tinha, comprei à prestação um jogo de pneus
pro carro de quem ganhou. Em casa chegamos a fazer o jogo da garrafa. Em roda,
uma garrafa era girada no centro. Quando parava, a boca apontava quem deveria
tirar uma peça de roupa.
Uma fome danada, uma vez comemos de nos fartar numa pizzaria
almejada. Sobrou pra mim correr por último. Sorte que estava com botas. Garçons
atrás, me enfiei no mato. Brasília tinha mato.
Uma boa moça – Batalhão foi o apelido agregado ao nome – nos
acolhia em seus braços com carinho. Num mato, um amigo se alegrou com seus
gemidos. Findo o amor, era um espinho o motivo dos ais.
Que bom antes da aula, cedinho, ter dinheiro pra comer 7 pães
com manteiga com café-com-leite. Que chato, ao voltar pra casa – já morando em alojamento
no campus – ser obrigado a marchar feito barata tonta. Eram os soldados, que
cercavam a Universidade acuada, se divertindo.
A UnB toda rodeada por militares armados, um a cada poucos
metros, em todo o seu perímetro. Fui preso uma vez, junto com duas dezenas de
colegas, como represália pela retenção – sequestro, aprisionamento? – de um
policial por estudantes ativos. Foi um dia só. Na prisão, quem pedia pra fazer
necessidades voltada apanhado. Morri de medo. Só passei a ver militares com
outros olhos quando, em Moçambique, vi soldados conversando naturalmente de
mãos dadas com civis.
Pra
ler no banheiro
Que má sorte, associam a bebida à vida. Veja a
publicidade, é a morte.
Parto de novo, agora no escuro. Volto a ser ovo do meu
próprio futuro. Sensação de carinho, os sons quase mudos, negrume,
morninho,esqueço de tudo.
Se assim nos
carnavais, como então nos futebóis? O jogo como prazer, o prazer no ato do
fato. Quanto a vencer, talvez, agora sua vez.
Desconfio, controlo. Controlo, se não confio.
Reflito a esmo. Na multidão dos aflitos,
acredito em mim mesmo.
O que me proibo, em outros critico. Se não me permito, a outros inibo.
O que me proibo, em outros critico. Se não me permito, a outros inibo.
Olhos, ouvidos, nariz percebem uma situação. A realidade
contradiz o rádio, o jornal, revista, televisão.
Uma amiga me ensina: como
posso dizer sim a algo que não está em mim?
Um amigo simplifica: complexidade
- isto e aquilo,
ao invés de isto ou aquilo
Luiz Fernando Sarmento
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