terça-feira, 16 de julho de 2024

77 no mato sem cachorro

 




7 7


...o que não me permito, em outros critico.


no mato sem cachorro



Como diz o outro, Deus me livre, mas quem me dera. Eterno conflito interno, entre desejo e proibição. Entre o sim a mim e o não.


Tou no mato sem cachorro. Sem proteção, sem avisos. Onça, cobra, mosquito, buraco, armadilha, tudo um perigo. Quero ir ali, mas não sei sair daqui.


E mais, cego, surdo, mudo, no escuro de dentro, imaginação solta. As mensagens do mundo me confundem. Mentiras, verdades se misturam. O herói de hoje, bandido ontem. O herói de ontem, difamado hoje.


*

Arrisco deixar brotar o que me vem de dentro e não compreendo. O que me conforta é saber que, no profundo do meu mundo, sou livre como só eu sei. E posso escolher – agora e em toda hora – ser assim ou assado, bom ou malvado.


*

Vaca não dá coca-cola. Um conhecido é quem me disse. Não devo esperar que uma vaca dê coca-cola. Vaca dá leite. É isto que as vacas vêm me dizendo há tempos.


Passei, então, a prestar mais atenção às minhas expectativas. Não devo esperar de uma pessoa aquilo que aquela pessoa não é, não tem nem deseja me oferecer.


*

Ano sabático. Melhor, vida inesperada. Se me permito, sigo o fluxo do desejo e da possibilidade, vivo cada momento como único, escolho na hora o que viver agora.


Enquanto isto, atento, tento, saio fora. Hipnose coletiva ao redor de mim. Crença na descrença, aposta na derrota, na maledicência, na violência, no conflito que brota. Onda, perda e vitória, repetição de História.


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Ou, sabedoria vivida, pulsação, vida, ora ponto, ora infinito, virada aleatória dentro de mim. Princípio, meio, fim. Um tanto turvo ali na curva.


Meia palavra basta. Água deságua, bendita, medita a alma.


Depende da disposição, da entrega. Como no amor, o risco do desconhecido prazer. Ou dor. Ser o que sou. Ou não ser.


Por não ser, ter. Ter a substituir o ser. Já não saber quem sou, só contar o que tenho, dizer do que faço. Armadilha, dó, laço. Nó, não abraço.


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A relação que cultivo com cada pessoa que conheço tem sido definida pelo que somos parecidos, me interesso pelo que temos em comum. Aprendi, aprendo que nossas diferenças nos afastam, se permaneço o mesmo. Mas nossas diferenças me aproximam quando estas diferenças alimentam meu bem-querer.


Mamãe, quando saí de casa pro mundo, me aconselhou: se aproxime de quem, bem, te ensine.


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Menino que muito briga na rua, descobri, muito apanha em casa. A brutalidade, intuo, começa em mim mesmo, quando não me permito o que desejo – quando não me permito o que me faz bem e, a outros, também. E o que não me permito, em outros critico.


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Em mim, funciona assim. Mistura de desejo e realidade. Pura busca de serenidade, exercício de liberdade: amar ao próximo como a mim mesmo. Amar a mim mesmo como ao próximo.


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Quem me dera, cada um a cuidar, primeiro, da própria vida. E, satisfeito, cuidar do outro como cuida de si. Construção do paraíso, aqui, agora.


Por bom senso, tento e tento. Vivo intenso. Um córrego, no máximo um riacho, me satisfaz. Água de mina, mineral. Na calma, lavo minha alma.


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Uma invenção. Pode ser usada pro bem. Ou não. Pro mal, também. Veja o avião. Carrega gente, carrega bombas.


O fogo me aquece, me queima. O jogo me diverte. Se me ganha, me perco. O doce me alegra, conforta, me diabeta, deforma. Oração, religião, ora ora, ora terna, ora inferna.


O que invento, serve pro mal, serve pro bento. A mão que guia – quente, morna ou fria – direciona, dá o sinal. Enfim, sou responsável por mim. Se de tudo faço uso, escolho, tento, uso pro mal, uso pro bento. Se não eu, outro. Os usos da minha invenção, chega uma hora, num controlo não.


Não só a invenção palpável, também a palavra, exceto a impecável. Melhor, ó dúvida, não dar ideia a esmo. Agora mesmo, sei de um aparelho que provoca chuva. Mas, tenho medo, se mal usado, tira dali pra trazer praqui.


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O projeto nasce do sonho. No sonho realizo meu desejo. Freud dá o exemplo, lá no seu Interpretação dos Sonhos. Vai que como algo muito salgado à noite e durmo. Se sonho que bebo água, realizo no sonho o desejo de matar a sede. Quando acordo, permanece a sede.


Sonhar é preciso. Realizar não é preciso. Incerto.


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E por falar em Fernando Pessoa, entendi outro dia. Navegar é preciso. Viver não é preciso. Navegar é necessário. Viver não é preciso, não há certeza no viver, viver é impreciso.


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Não é que eu não tenha tempo pro prazer. É que escolho outras coisas pra fazer. E, volta e meia, me pergunto, que posso fazer pra melhorar o mundo.


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Insisto. Uma maravilha, me dá alento o relato de Lucas sobre sua experiência de quase morte. Reforça o que sinto, há vida depois da vida. Lucas sofreu um piripaco, se pegou fora do corpo, viu luzes, foi sugado por um túnel de luz, chegou a um lugar meio não-lugar, paradisíaco, sentiu ali seu lar de origem, extasiou, mudou sua visão do mundo.


O depoimento de Lucas ao neurocirurgião Edson Amâncio está lá no Youtube, no canal Afinal O Que Somos nós?


Boa viagem.





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