uma vida
incomum como qualquer um 28
outro dia, um como outro
Pela manhã. Esta
semana enviei convites virtuais pra todos que estão no catálogo do meu email
Yahoo. Terapia Comunitária quase todas as sextas. Michel, com quem faço
dupla normalmente, está fazendo oficinas do Rio Abierto na Rússia.
Levanto cedinho, pernas pra cima, saudação ao sol, no caminho compro
tangerinas, tomo café com leite, pão com manteiga.
No espaço parceiro
– o Centro de Movimento Deborah Colker – duas moças já chegaram. Vamos pra
sala, conversamos um pouco, falo das redes comunitárias, do sempre presente
emocional como pano de fundo, dos encontros METS – Movimento Emocional e
Transformação Social –, da dica da Maria Teresa Maldonado sobre Adalberto e a
metodologia que construiu.
Outras pessoas
chegam, já somos sete, mais um pouco, oito, a roda se amplia. O cheiro da
fruta, os tons amenos das vozes, o sentarmos no chão, cada detalhe contribui um
tanto pra estarmos à vontade. Chegam mais duas e são acolhidas.
Quem deseja propor
uma brincadeira leve, rápida? Um
fala o próprio nome e o nome de outro que conhece e está na roda. O que foi
nomeado fala seu próprio nome, diz quem o nomeou anteriormente e acrescenta o
nome de outro que também está na roda. E assim por diante, sempre repetindo todos
os nomes já falados e acrescentando outro.
Um esquecimento
aqui, uma ajuda ali, todos ou quase todos memorizaram os nomes de todos ou
quase. Antes, houve consenso, não precisávamos saber o que cada um faz, de onde
veio. Estávamos à procura do que somos.
Alguém se lembra
das combinações da Terapia? Falar
a partir da própria vivência, a partir do Eu. Não vale julgar nem dar
conselhos. É um espaço para compartilhar questões que afligem ou alegram cada
um.
É um espaço de escuta
– um fala de cada vez, outros escutam. Se alguém se lembra de uma música – ou
provérbio, ou causo ou piada – pede licença e apresenta... Podemos combinar
assim? Se um de nós se esquece do combinado, lembraremos...
Aqui, talvez não seja
um lugar para segredos: segredos não compartilhamos. Consideramos segredo como
algo que, falado aqui e sabido lá fora, possa trazer algum incômodos a qualquer
um. Mas este critério é de cada um. Cada um é quem escolhe o que deseja
compartilhar.
Imagino que outros,
como eu, se acalmam ao tomarem antecipadamente conhecimento da pauta. Todos
confirmam, querem saber. Sintetizo a sequência, prevejo o tempo que estaremos
aqui. E início a próxima fase: Quem deseja compartilhar algum incômodo ou
alguma alegria?
Uma mulher
compartilha. Aposentou-se há dois meses, está em processo de busca de
satisfação maior no viver... Anoto, sintetizo o que compreendi e lhe pergunto
se esta síntese traduz o seu sentimento. Depois de duas ou três tentativas, chegamos:
O que vou fazer agora de minha vida?
Cada um de cada
vez, os que desejam, fala um tanto do que lhe incomoda e, com o auxílio de um ou
outro, constrói uma síntese da sua questão. Outra mulher se pergunta como
praticar sua teoria. E o resumo: Angústia pela procura de satisfação em
minha vida.
E mais outra fala
do Medo de sair da zona de conforto e ser feliz com coisas novas. Alguém,
45 anos, filha mais velha dos seis filhos, única solteira e que permanece em
casa: Sofro com a dificuldade de relacionamento com minha mãe. Os rostos
e movimentos à volta expressam identificações.
Outra se expõe: Não
consigo não atender às necessidades da minha mãe. E mais outra: Como
preservar meu espaço, tendo que agora cuidar da minha mãe?
Agora, abrimos espaço para identificações. Quem deseja, fala,
sinteticamente, fala da sua identificação com qual questão porque.
Entramos na fase da
escolha do tema que juntos cuidaremos. Cada um pode votar somente uma vez. O
tema escolhido será aquele com quem mais de nós se identificar – e votar –
neste momento.
Relembro todas as
sínteses das questões apresentadas. Você pode votar em qualquer tema,
inclusive o que você própria apresentou. E repito um a um, para votação.
O tema é escolhido:
Sofro com a dificuldade de relacionamento com minha mãe.
Agradecemos àquelas
que expuseram seus sofrimentos, lembramos que, se desejarem, poderão reapresentá-los
nas próximas rodas. E que estamos disponíveis para conversas individuais, logo após
o presente encontro.
Pedimos então a
quem nos trouxe o tema escolhido que nos conte mais sobre seu sofrimento. E ela
detalha, focada em seus próprios sentimentos.
Perguntas são
feitas, em tentativas de despertar, em nós todos, compreensões mais profundas.
Sua emoção estimula que nos aproximemos, fechando bem a roda. Alguém sugere e,
abraçados, balançando, cantamos juntos uma cantiga de mãe, e mais uma.
Lançamos uma
pergunta-chave, procurando ampliar o tema: Quem de nós sentiu dificuldades
em relacionamentos com pessoas próximas... e pode contribuir expondo o que
aprendeu desta vivência?
Uma participante
conta sua história, suas dificuldades com a mãe, as transformações do
relacionamento após conversas sinceras, o alívio. Outra da roda fala de si, da
mãe solteira em ambiente religioso conservador, do casamento necessário, do
padrasto bruto, de sentir-se ameaçada por abuso, de não sentir-se amada pela
mãe, da sua própria dificuldade em conversar com ela e das mudanças positivas
no relacionamento que ocorreram a partir da saída da casa materna. E como esta
nova situação facilitou aproximações e
reconhecimentos.
Mais alguém relata
a satisfação da mãe, de origem humilde, com a formação universitária da filha,
ao mesmo tempo em que ainda a via como a garota de quinze anos que andava com
ela de braços dados. Fala das diferenças e dos transtornos. E de como as
conversas francas facilitaram o aprofundamento das suas relações. E uma mulher
fala do que viveu e aprendeu.
O clima de agora já
é diferente do início. Os olhares são mais ternos. Há algo como solidariedade
no ar. Somos vários, como se fôssemos também um.
Levantamos e, à
pergunta Que estou levando daqui?, uma fala do sentimento de
solidariedade, outra de amor, outro de algum alívio de culpa, e mais outra de
como se sente bem em estar aqui...
Alguém inicia A
minha mãe, é mãe solteira... mamadeira, todo dia... trabalha como
empacotadeira, nas Casas Bahia. O ritmo chega aos corpos, uma ciranda é
lembrada, dançamos em roda... e com calma nos despedimos, cada um de um e
outro.
Luiz
Fernando Sarmento
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