uma vida
incomum como qualquer um 26
Emoções de todo dia
Ativo a memória. Há
alguns anos... À tarde, Jun e o filho, Mitsuhito, chegam alguns minutos
depois das três. Apresento superficialmente as câmeras gravadoras e lá vamos de
táxi em direção à casa de atendimento comunitário aos pés do Turano, no Rio
Comprido.
Mitsu prepara sua
câmera fotográfica, Jun a dvcam, eu a também pequena hdv. Converso com duas
estudantes de psicologia. E com nossa anfitriã, que todo dia ativa a casa.
Chegam algumas senhoras moradoras da comunidade... Depois Alex e Sandra, responsáveis
neste dia pela Terapia Comunitária. Somos em torno de dez pessoas.
Entre os problemas, a
votação maior definiu o escolhido. Uma senhora, em lágrimas, relata seu sofrimento
com as vidas de seus dois filhos. Um, na ilegalidade, foi morto pela polícia. O
mais novo, preso por motivos semelhantes, não retornou à prisão quando foi
liberado para visitar sua família. Permanece ilegal. Enquanto preso, a mãe, mesmo
passando constrangimento, o visitava o tanto permitido. Ela sofre também por
não ser reconhecida e valorizada pelo filho vivo.
Ao final, como tenho
vivido em sessões de terapia comunitária, os abraços, olhares e conversas traduzem
os sentimentos, a solidariedade. A mãe sofredora se declara confortada, mais
animada. Vamos em paz.
No dia seguinte. Na minha formação, uma vez por mês participo de uma
intervisão, sábado inteiro. Pela manhã, muitas vezes, um convidado fala sobre
algo novo para nós.
Anteontem conheci um
tanto de Equipe Reflexiva, uma ideia e prática original de Thomas Andersen. Do
que entendi, enquanto uma família é atendida por um terapeuta, outros
terapeutas observam em silêncio e refletem. Os dois grupos trocam de posições, se
a família deseja. Os que observavam falam entre si das suas percepções,
enquanto a família agora lhes presta atenção. Finalmente os membros da família
fazem seus comentários. É um processo reflexivo.
À tarde, roda de terapia
comunitária. Alguém apresenta sua dificuldade quanto à presença de público nas
rodas que realiza. Outra fala da sua dificuldade no relacionamento com a filha
adolescente. Esta última foi o tema escolhido, houve um maior número de pessoas que, por se
identificarem com ele, nele votaram.
A mãe detalha,
responde a perguntas, se emociona. Fala da sensação de perda do amor materno, da
vontade de matar, intercala choro e desabafo.
Depois, em silêncio,
escuta experiências compartilhadas por uma ou outra mãe presentes. Duas filhas
contam, sob outro ângulo, o que viveram de semelhante. Por duas vezes, dor de
barriga, a mãe na berlinda vai ao banheiro. O corpo fala. Volta, escuta,
compreende um tanto, sorri entre lágrimas, se acalma. Na roda de despedida,
músicas e o que levo daqui.
Olhares complementam
as palavras. Os gestos expressam afetos. Mais próximos do que antes, nos
despedimos com abraços.
O texto acima, escrevi por volta de 2008.
Abaixo, como tenho sentido o mundo nestes novos tempos.
Pra
ler no banheiro
* Beijo, como abraço, é bão. Ao mesmo tempo
que dou, recebo, enlaço, refaço.
* Em
mim um breu, se também eu fico refém de sentimentos, pensamentos, fazimentos
que não são meus.
* Um interno conflito, hoje presente, verdade. Finito
limitado ao infinito. Livre para o amor livre, preso à própria liberdade.
* Empatia
contagia. A alegria ali me alegra aqui.
* Em
cada ruga, uma história difusa. Em inocentes, marcas ausentes.
* A grade que me protege, a mesma que me
aprisiona.
* Bobagem,
bobeira. A massagem nasceu da coceira.
* Coisas
do coração. Não sei dizer não, nem sei dizer sim. Sim não sei a mim. Não a quem
pidão.
* Conflito
ou paz. Qualquer um é responsável pelo que faz. Como aquele que manda, aquele que
fofoca, o soldado que dá o tiro é também responsável pelo que o tiro provoca.
Luiz
Fernando Sarmento
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